Dirigentes de agências de financiamento reunidos no encontro anual do Global Research Council, em São Paulo, avaliam estratégias para responder a expectativas de governo e sociedade (foto: Piu Dip / Agência FAPESP)
Proposta é encontrar um equilíbrio entre o apoio às pesquisas orientadas para o impacto social e econômico e aquelas voltadas para o avanço do conhecimento
Proposta é encontrar um equilíbrio entre o apoio às pesquisas orientadas para o impacto social e econômico e aquelas voltadas para o avanço do conhecimento
Dirigentes de agências de financiamento reunidos no encontro anual do Global Research Council, em São Paulo, avaliam estratégias para responder a expectativas de governo e sociedade (foto: Piu Dip / Agência FAPESP)
Elton Alisson e Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – O aumento das expectativas de diferentes setores da sociedade em relação ao impacto social e econômico das pesquisas financiadas com recursos públicos não é um fenômeno novo. Na verdade, representa o episódio mais recente de um debate que tem ocorrido desde o surgimento da ciência, disse Peter Strohschneider, presidente da German Research Foundation (DFG).
Para responder às crescentes expectativas de resposta da pesquisa, agências de financiamento participantes do Global Research Council (GRC) reunidos em encontro anual, realizado em São Paulo, propõem duas abordagens. A primeira seria introduzir o impacto social e econômico como critério na avaliação de projetos de pesquisa. E a segunda, melhorar a avaliação e a demonstração dos resultados das pesquisas já apoiadas.
“Embora ambas as abordagens sejam complementares, as justificativas para adotá-las são diferentes”, disse Strohschneider na cerimônia de abertura do encontro anual da entidade, no dia 2 de maio. O encontro, que ocorre pela primeira vez no Brasil e termina nesta sexta-feira (03/05), reúne chefes de agências de fomento de 50 países dos cincos continentes. O evento é organizado pela FAPESP, pelo Consejo Nacional de Investigaciones Científicas e Técnicas (Conicet), da Argentina e pela DFG.
“A introdução do impacto social e econômico como critério de financiamento baseia-se no pressuposto de que esses objetivos podem ser maximizados, e a necessidade de melhorar a avaliação e a demonstração dos resultados das pesquisas já apoiadas se baseia no entendimento de que elas já têm o impacto desejado, mas seus resultados precisam ser mais visíveis para a sociedade”, afirmou Strohschneider.
Segundo ele, as duas abordagens podem aumentar a conscientização sobre a contribuição da pesquisa para a sociedade e para a economia e, com isso, fortalecer os argumentos usados pelas agências de fomento à pesquisa participantes do GRC para justificar a aplicação de seus recursos públicos nos projetos apoiados. No entanto, requerem uma reflexão cuidadosa de como essa avaliação deverá ser feita, para não penalizar a pesquisa básica.
“É preciso considerar [na avaliação dos projetos] tanto os retornos sociais e econômicos como a virtude da pesquisa orientada pela curiosidade, voltada a ampliar as fronteiras do conhecimento, como elementos essenciais para fomentar o desenvolvimento de ecossistemas nacionais vibrantes de pesquisa”, apontou.
“Temos de encontrar um equilíbrio entre o financiamento de pesquisas orientadas para o impacto social e econômico e as voltadas para o avanço do conhecimento”, ponderou.
Para Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, a avaliação e a demonstração do impacto social e econômico da pesquisa como critérios de financiamento representam questões controversas, sobre as quais não se pode esperar um total acordo, mas há pontos de concordância. Um deles é a necessidade de responder positivamente à crescente demanda de demonstrar que as pesquisas apoiadas pelas agências de fomento trazem benefícios para a sociedade, especialmente porque são financiadas com recursos públicos.
“A maneira que cada agência de financiamento atende a essa regra varia. Mas, no final, os impactos sociais, econômicos e regionais sempre influenciarão o perfil de pesquisa apoiada pela agência, seja como critério na análise de propostas individuais ou na forma de orientação geral e de políticas que criem programas de pesquisa específicos ou modifiquem projetos de curto prazo e prioridades a longo prazo”, avaliou.
“Nossa missão, como chefes de agências, é facilitar a pesquisa. Para isso, devemos promover o melhor aproveitamento dos recursos da sociedade, para que todo projeto que financiamos tenha a mais alta qualidade científica e uma alta probabilidade de contribuir para a expansão do conhecimento científico ou ter impacto mais positivo na sociedade”, afirmou.
Mérito científico
Os Estados Unidos levam em consideração a amplitude do impacto em um projeto de pesquisa a ser financiado. Desde 1997, a National Science Foundation (NSF) usa apenas dois critérios para o financiamento de projetos de pesquisa: mérito intelectual (o potencial para avançar o conhecimento) e impactos mais amplos (o potencial para beneficiar a sociedade).
De acordo com France Córdova, diretora da National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, a cada ano a instituição recebe cerca de 50 mil propostas de financiamento. “Há muito mais propostas excelentes do que fundos para apoiá-las. Só no ano passado, não conseguimos financiar cerca de US$ 4 bilhões em pesquisas excelentes. Esse valor representa o montante de fundos solicitados por propostas que foram recusadas, apesar de terem classificações muito boas ou superiores”, disse.
Córdova explicou que o critério de mérito científico permite a identificação de propostas na vanguarda da ciência. Ela deu como exemplo desse tipo de critério a pesquisa da cientista Frances Arnold, que recebeu a primeira concessão da NSF em 1988 e recebeu o Prêmio Nobel de Química em 2018. “Ela criou a evolução dirigida, um método no qual ciclos de mutação e seleção são usados para melhorar a eficiência das enzimas para uma determinada função”, disse.
Anos depois do primeiro projeto financiado, o trabalho de Arnold tornou possível o desenvolvimento de novos produtos farmacêuticos, novos tipos de combustíveis derivados de plantas e novos processos para fabricar produtos químicos industriais sem metais tóxicos ou solventes orgânicos.
“Vocês podem perguntar: como um pesquisador pode saber no momento em que submete uma proposta de pesquisa em ciência básica como será o resultado? Claro que ele não sabe. É por isso que as definições de mérito intelectual e impactos mais amplos se concentram no 'potencial' de promover o conhecimento e beneficiar a sociedade”, disse Córdova.
De acordo com a NSF, os impactos sociais e econômicos podem envolver o alcance educacional, seja formal ou informal, assim como pesquisas de risco. Esse critério leva muitas vezes a formação de parcerias com a indústria, outras agências e patrocinadores internacionais para aumentar a capacidade e alavancar recursos.
“O apoio da NSF à pesquisa de alto risco produziu algumas descobertas surpreendentes. Nosso financiamento inicial ajudou a levar à frente a internet, painéis solares e medicamentos que salvam vidas. Fizemos progressos na compreensão do cérebro, curando doenças e desenvolvendo a impressão 3D”, disse.
Interdisciplinaridade e engajamento
Para Mark Ferguson, diretor-geral da Science Foundation Ireland (SFI), o importante é assegurar que as agências estão escolhendo as pesquisas de forma sábia. “Há a interdisciplinaridade e é preciso assegurar e incentivar o engajamento entre as pessoas. Porém, é importante saber que não há um modelo único. Não é possível financiar pesquisas disruptivas a partir de uma chamada convencional”, disse.
Ainda não há consenso entre os países de que o impacto social deva ser um dos critérios para a escolha de projetos de pesquisa a serem financiados. A Áustria, por exemplo, tem como objetivo principal estimular a pesquisa transdisciplinar e transformadora. “Por isso, não estamos mais usando o impacto social e econômico como um critério de financiamento de pesquisas. Estamos financiando pesquisa primária de curiosidade e interdisciplinares, que agregam desde as humanidades até pesquisa química e estatística”, disse Klement Tockner, presidente da Austrian Science Fund (FWF).
Tockner ressaltou que existem provas de que, quando se foca muito cedo em impacto social e econômico, ele pode restringir inovação e risco. “Há um interesse no país em manter a diversidade não só nas disciplinas e tópicos, mas também nos projetos de pesquisa. Isso é importante se estivermos focados no futuro interdisciplinar e transdisciplinar da pesquisa baseada na diversidade”, disse.
A Áustria tem criado maneiras alternativas para facilitar a ligação entre pesquisa, sociedade e a economia e estimular a pesquisa transdisciplinar e transformadora no futuro. “Queremos ter um tipo de perspectiva sobre como identificar áreas de pesquisa que estão emergindo novos tópicos e como comunicar seus usos para a sociedade”, disse.
Uma alternativa é a criação no fim deste ano dos Pionner Labs, laboratório de projetos de pesquisa transdisciplinar e transformadora. “Nos preocupamos com o impacto social dos projetos de pesquisa, mas consideramos que nossa responsabilidade é que a pesquisa encontre os mais altos estágios de qualidade e excelência”, disse Tockner.
Tockner explicou que na Áustria há outra organização focada em pesquisa aplicada e no impacto econômico. “E eles têm mais recursos que nós”, disse.
Presente na abertura do evento, Patricia Ellen, secretária de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, disse que é preciso começar a abordar a avaliação do impacto social e econômico da pesquisa com maior ênfase.
“Nas últimas décadas, a ciência e a tecnologia foram fundamentais para impulsionar muitas melhorias na nossa sociedade, como o aumento da expectativa de vida, urbanização e da renda per capita. Mas há muitos desafios com os quais estamos lidando agora e a pesquisa desempenhará um papel crítico para que encontremos soluções”, avaliou.
Mais informações sobre a 8ª Reunião Anual do Global Research Council: www.fapesp.br/eventos/grc.
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