Pesquisa feita por pesquisadores da USP e UFABC em colaboração com Queen’s University Belfast, Universidade de Viena e ETH, publicada na Physical Review Letters, ajuda a entender como se dá a transição do mundo quântico para o mundo clássico (ilustração de um estado estacionário que é obtido quando dois osciladores harmônicos (em verde) são colocados em contato com dois banhos térmicos a temperaturas diferentes. Neste caso uma corrente de calor irá fluir do reservatório mais quente par
Pesquisa feita por pesquisadores da USP e UFABC em colaboração com Queen’s University Belfast, Universidade de Viena e ETH ajuda a entender como se dá a transição do mundo quântico para o mundo clássico
Pesquisa feita por pesquisadores da USP e UFABC em colaboração com Queen’s University Belfast, Universidade de Viena e ETH ajuda a entender como se dá a transição do mundo quântico para o mundo clássico
Pesquisa feita por pesquisadores da USP e UFABC em colaboração com Queen’s University Belfast, Universidade de Viena e ETH, publicada na Physical Review Letters, ajuda a entender como se dá a transição do mundo quântico para o mundo clássico (ilustração de um estado estacionário que é obtido quando dois osciladores harmônicos (em verde) são colocados em contato com dois banhos térmicos a temperaturas diferentes. Neste caso uma corrente de calor irá fluir do reservatório mais quente par
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A produção de entropia – isto é, o aumento do grau de desordem de um sistema – é uma tendência inexorável no mundo macroscópico, em decorrência da segunda lei da termodinâmica.
Isso faz com que os processos descritos pela Física clássica sejam irreversíveis. E, por extensão, impõe um sentido à linha do tempo. Porém, tal tendência não vale, necessariamente, no mundo microscópico, regido pela mecânica quântica, cujas leis são reversíveis. E onde não há um sentido preferencial no fluxo dos fenômenos.
Saber em que ponto se dá a transição do cenário quântico para o cenário clássico e por que isso ocorre – ou, dito de outro modo, saber o que faz com que a produção de entropia passe a predominar – é um importante tema de pesquisa da ciência atual. Daí o interesse em estudar sistemas mesoscópicos, não tão pequenos como átomos individuais, mas que ainda apresentem comportamentos quânticos bem caracterizados.
Um novo estudo experimental, com participação de pesquisadores brasileiros, traz importante contribuição quanto a isso. Artigo a respeito acaba de ser publicado na revista Physical Review Letters.
“O que fizemos foi estudar dois sistemas: um condensado de Bose-Einstein, com 100 mil átomos, aprisionado dentro de uma cavidade; e uma cavidade optomecânica, capaz de aprisionar a luz entre dois espelhos”, disse Gabriel Teixeira Landi, professor no Instituto de Física da Universidade de São Paulo, à Agência FAPESP.
Landi foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento de um modelo teórico capaz de relacionar a produção de entropia com grandezas mensuráveis em ambos os experimentos. A pesquisa tem apoio da FAPESP. O condensado de Bose-Einstein foi estudado no Instituto Federal de Tecnologia (ETH) de Zurique, na Suíça. E a cavidade optomecânica na Universidade de Viena, Áustria. O trabalho também teve colaboração de cientistas da Queen’s University Belfast, na Irlanda.
Muitas vezes referido como o “quinto estado da matéria” (sendo os quatro primeiros o sólido, o líquido, o gasoso e o plasma), o condensado de Bose-Einstein é obtido quando um conjunto de átomos tem sua temperatura resfriada quase ao zero absoluto.
Nessas condições, as partículas já não possuem energia livre para se movimentar umas em relação às outras, e algumas delas passam a compartilhar os mesmos estados quânticos, tornando-se portanto indistinguíveis. Assim, obedecem à chamada estatística de Bose-Einstein, aplicada a partículas idênticas. No condensado, as partículas se comportam como se fossem uma única partícula.
Já a cavidade optomecânica é basicamente uma armadilha para capturar a luz. A peculiaridade, no caso, foi que um dos espelhos que a compuseram era constituído por uma membrana nanométrica capaz de vibrar mecanicamente. Portanto, o experimento consistiu na interação da luz com vibrações mecânicas. Em ambos os sistemas, havia dois reservatórios, um quente e um frio, de modo que podia fluir calor de um para o outro.
“As duas situações apresentaram assinaturas de algo irreversível – e, por decorrência, mostraram o aumento de entropia. E mais: mostraram a irreversibilidade como consequência de efeitos quânticos. As experiências permitiram diferenciar claramente os efeitos clássicos das flutuações quânticas”, disse Landi.
A grande dificuldade dessa linha de pesquisa é que a produção de entropia não é algo diretamente mensurável. Então, antes de organizar os experimentos, foi preciso relacionar teoricamente a produção de entropia com outras grandezas, sinalizadoras de irreversibilidade, que pudessem ser efetivamente medidas. A grandeza considerada, tanto em um caso como no outro, foi o vazamento de fótons das cavidades. Propositalmente, foram adotados espelhos semitransparentes, de modo que os fótons pudessem vazar;
Foram medidos os números médios de fótons no interior das cavidades. E também as variações mecânicas, no caso do espelho vibrátil.
“Nos dois experimentos, as flutuações quânticas contribuíram para aumentar a irreversibilidade. Foi uma descoberta contraintuitiva. E não necessariamente é algo que possa ser generalizado. Ocorreu nestes dois casos. Mas pode não valer para outros. Eu enxergo esses dois trabalhos como um primeiro esforço para repensar a entropia nesse tipo de plataforma. Eles abrem espaço para novas experimentações, por exemplo, com um número menor de átomos de rubídio ou com cavidades optomecânicas ainda menores”, disse Landi.
Perda de informação e desordem
Em estudo teórico recente, Landi havia mostrado como as flutuações clássicas (vibração de átomos e moléculas, produzindo energia térmica) e as flutuações quânticas poderiam ocorrer ao mesmo tempo, não necessariamente contribuindo para um mesmo resultado. Esse trabalho foi precursor dos dois novos experimentos.
“Tanto o condensado quanto o aprisionamento da luz em cavidade são fenômenos mesoscópicos. Porém, ao contrário de outros fenômenos mesoscópicos, as propriedades quânticas foram neles perfeitamente preservadas, por meio de blindagem em relação ao ambiente. Assim, proporcionaram situações controladas, em que puderam ser claramente observadas as competições entre o clássico e o quântico na produção de entropia”, disse o pesquisador.
“A entropia admite várias interpretações. Se pensarmos em termos de informação, aumento de entropia significa perda de informação. Já do ponto de vista termodinâmico, entropia mede o grau de desordem. Quanto maior a entropia, mais desordenado o sistema é. Combinando essas interpretações, podemos ter uma visão mais abrangente do fenômeno”, disse.
Tanto o condensado de Bose-Einstein como a cavidade optomecânica compõem aquilo que tem sido chamado de “plataformas para simulação quântica”.
Essas plataformas possibilitam contornar um grande obstáculo ao avanço do conhecimento. Porque há vários sistemas importantes na natureza para os quais, embora existam modelos descritivos consistentes, é impossível fazer previsões, devido à dificuldade dos cálculos.
O exemplo mais famoso é o da supercondutividade de alta temperatura, em relação às temperaturas praticadas em experimentos anteriores. Até hoje não se entende como certos materiais podem exibir comportamento supercondutor na temperatura do nitrogênio líquido (-196°C, aproximadamente).
A ideia com as novas plataformas é ter dispositivos quânticos que possam simular esses sistemas. Mas simular de forma controlada, eliminando todos os fatores complicadores, e focando apenas nos fenômenos mais simples de interesse.
“Essa ideia de simulação quântica é algo que está crescendo muito nos últimos anos, com simulações que vão de moléculas importantes em medicina a estruturas importantes em cosmologia”, disse Landi.
O artigo Experimental Determination of Irreversible Entropy Production in out-of-Equilibrium Mesoscopic Quantum Systems (doi: https://doi.org/10.1103/PhysRevLett.121.160604), de M. Brunelli, L. Fusco, R. Landig, W. Wieczorek, J. Hoelscher-Obermaier, G. Landi, F. L. Semião, A. Ferraro, N. Kiesel, T. Donner, G. De Chiara e M. Paternostro, pode ser lido em: https://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.121.160604.
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