Estudo feito no Instituto Butantan e no Instituto de Química da USP identificou centenas de RNAs que não codificam proteínas, mas parecem regular efeito dos andrógenos e seus receptores na expressão gênica dos tumores (imagem: David Bushnell, Ken Westover e Roger Kornberg, Stanford University / NIH)

Identificadas moléculas de RNA que regulam ação de hormônio no câncer de próstata
22 de junho de 2018
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Estudo feito no Instituto Butantan e no Instituto de Química da USP identificou centenas de RNAs que não codificam proteínas, mas parecem regular efeito dos andrógenos e seus receptores na expressão gênica dos tumores

Identificadas moléculas de RNA que regulam ação de hormônio no câncer de próstata

Estudo feito no Instituto Butantan e no Instituto de Química da USP identificou centenas de RNAs que não codificam proteínas, mas parecem regular efeito dos andrógenos e seus receptores na expressão gênica dos tumores

22 de junho de 2018
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Estudo feito no Instituto Butantan e no Instituto de Química da USP identificou centenas de RNAs que não codificam proteínas, mas parecem regular efeito dos andrógenos e seus receptores na expressão gênica dos tumores (imagem: David Bushnell, Ken Westover e Roger Kornberg, Stanford University / NIH)

 

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – Na maioria dos casos de câncer de próstata, o crescimento das células tumorais é estimulado pela ação de hormônios masculinos, ou andrógenos, como a testosterona e a diidrotestosterona (DHT).

Para que isso ocorra, essas substâncias precisam se ligar a uma proteína conhecida como receptor de andrógeno, geralmente localizada no citoplasma das células da próstata. Ao se unirem, hormônio e receptor migram para o núcleo celular, onde podem ativar ou inibir uma série de genes, criando um padrão de expressão gênica favorável à proliferação tumoral.

Um novo estudo publicado na revista Frontiers in Genetics identificou 600 novas moléculas de RNA – do tipo que não codifica proteína – que aparentemente fazem uma regulação fina desse processo.

“Esse trabalho levanta a hipótese de que alguns desses RNAs longos não codificadores sejam responsáveis por tornar o tumor de próstata mais agressivo. Se confirmada em futuros estudos, a descoberta abre um mundo de novas possibilidades”, disse Sergio Verjovski-Almeida, pesquisador do Instituto Butantan e coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP.

Como explicou o cientista, apenas 2% do genoma humano produz as moléculas de RNA mensageiro – aquelas que contêm informações para a síntese de proteínas. Os outros 98%, que no passado foram considerados “DNA lixo”, produzem diferentes tipos de RNA não codificadores, que atuam modulando a expressão de genes vizinhos ou a ação das proteínas por eles produzidas. Desse modo, por meio de uma regulação epigenética (que não altera o DNA em si, mas a forma como ele é expresso) eles moldam o funcionamento do genoma.

“Os chamados RNAs longos não codificadores são potentes reguladores da expressão gênica, pois interagem com proteínas reguladoras e amplificam seu efeito. É o que acreditamos que as moléculas que identificamos estejam fazendo com o receptor de andrógeno nos tumores de próstata”, explicou Verjovski-Almeida, que também é professor no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP).

A investigação teve início com um sequenciamento em larga escala e bastante aprofundado (deep sequencing) de moléculas expressas em uma linhagem de câncer de próstata. Esse tipo de análise permite sequenciar bilhões de nucleotídeos ao mesmo tempo, aumentando a possibilidade de detectar moléculas expressas em pequenas quantidades, que passariam despercebidas em estudos mais superficiais.

“Quanto mais profundamente sequenciamos um tecido, mais descobrimos moléculas de RNA expressas especificamente naquele local, como costuma ser o caso dos RNAs longo não codificadores”, disse Verjovski-Almeida.

Até então, tinham sido descritos na literatura científica 3 mil diferentes RNAs longos não codificadores expressos em tumores de próstata. A análise feita pelo grupo do Butantan revelou outras 4 mil novas moléculas do tipo ainda desconhecidas.

Na sequência, os pesquisadores decidiram reanalisar dados brutos de estudos já publicados por outros grupos – que comparavam moléculas expressas em tumores de pacientes com aquelas expressas em tecido sadio de próstata – à luz desses novos achados.

“De modo geral, esses estudos anteriores usavam o método conhecido como microarray, que permite sequenciar o tecido usando um painel de genes-alvo já conhecidos. Ou seja, os genes desconhecidos ou não incluídos no painel simplesmente não aparecem nos resultados da análise mesmo quando estão expressos no tecido”, explicou o pesquisador.

Ao analisar novamente os dados brutos das pesquisas publicadas, o grupo do Butantan notou que 65 RNAs longos não codificadores estavam mais expressos nos tumores de próstata do que no tecido sadio.

“Os trabalhos originais tinham identificado a maior expressão de apenas 40 dessas moléculas. As demais passaram despercebidas por falta de uma referência completa dos RNAs longos não codificadores da próstata. E são genes possivelmente envolvidos no desenvolvimento da doença e que precisam ser melhor explorados”, disse Verjovski-Almeida.

Regulando a ação hormonal

O passo seguinte foi avaliar se os RNAs longos não codificadores identificados eram capazes de interagir com o receptor de andrógeno. Para isso, os pesquisadores usaram uma técnica conhecida como imunoprecipitação de RNA (RIP, na sigla em inglês).

“Conseguimos detectar mais de 600 RNAs longos ligados ao receptor de andrógeno em tumores de próstata. São moléculas que se associam ao complexo formado pelo hormônio e seu receptor no núcleo celular, possivelmente fazendo uma regulação fina do processo de ativação e inibição de genes”, disse Verjovski-Almeida.

Sabia-se que o receptor de andrógeno, ao migrar para o núcleo, é capaz de se ligar a mais de 10 mil locais diferentes do genoma. No entanto, ele não altera a expressão de 10 mil genes quando isso ocorre.

“Para determinar o que será ativado e inibido é preciso um programa adicional e acreditamos que alguns dos RNAs longos que identificamos desempenham esse papel”, disse.

Com auxílio de uma ferramenta de aprendizado de máquinas (machine learning, que permite analisar uma grande quantidade de informações por métodos estatísticos, de modo a encontrar padrões de repetição que permitam fazer determinações ou predições), o grupo observou que nos locais do genoma em que os genes tinham sua expressão alterada pelo receptor de andrógeno (seja ativação ou inibição) os RNAs longos não codificadores estavam presentes.

A ferramenta permitiu identificar que naqueles locais também se concentravam certas histonas ativadoras da expressão – proteínas que modulam a organização espacial do DNA genômico no núcleo e favorecem ou inibem a expressão dos genes. De modo geral, na presença dessas moléculas reguladoras, os genes estavam mais ativos.

“Se a presença desses RNAs longos é causa ou consequência da abundância de certas histonas ativadoras e da alteração na expressão ainda não podemos afirmar, mas o fato é que estão marcando ambientes específicos de genes que se ativam ou se inibem na presença do andrógeno. Com esses achados, montamos um painel de possíveis reguladores da ação do receptor no câncer de próstata”, disse Verjovski-Almeida.

Segundo o pesquisador, apenas um desses RNAs longos não codificadores já havia sido mostrado que se liga ao receptor de andrógeno e já foi associado em trabalhos anteriores ao aumento de agressividade tumoral.

“É possível que outros desses 600 RNAs encontrados ligados ao receptor também estejam agindo por um mecanismo semelhante. Quando você encontra um RNA não codificador que regula um gene importante, pode tentar interferir na sua transcrição ou no processo de regulação. É um mundo de possibilidades que se abre”, disse.

O artigo Chromatin Landscape Distinguishes the Genomic Loci of Hundreds of Androgen-Receptor-Associated LincRNAs From the Loci of Non-associated LincRNAs, de Lucas F. daSilva, Felipe C. Beckedorff1, Ana C. Ayupe, Murilo S. Amaral, Vinícius Mesel, Alexandre Videira, Eduardo M. Reis, João C. Setubal, e Sergio Verjovski-Almeida, pode ser lido em: www.frontiersin.org/articles/10.3389/fgene.2018.00132/full.
 

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