Estudo feito na Unicamp sugere que a desregulação no gene NEUROG2 estaria relacionada ao surgimento de displasia cortical focal, uma das causas mais comuns de epilepsia refratária a medicamentos (imagem: neurônio dismórfico marcado em anticorpo neuronal MAP2 / Fábio Rogerio)

Malformação associada à epilepsia grave tem mecanismo desvendado
07 de maio de 2018
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Estudo feito na Unicamp sugere que a desregulação no gene NEUROG2 estaria relacionada ao surgimento de displasia cortical focal, uma das causas mais comuns de epilepsia refratária a medicamentos

Malformação associada à epilepsia grave tem mecanismo desvendado

Estudo feito na Unicamp sugere que a desregulação no gene NEUROG2 estaria relacionada ao surgimento de displasia cortical focal, uma das causas mais comuns de epilepsia refratária a medicamentos

07 de maio de 2018
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Estudo feito na Unicamp sugere que a desregulação no gene NEUROG2 estaria relacionada ao surgimento de displasia cortical focal, uma das causas mais comuns de epilepsia refratária a medicamentos (imagem: neurônio dismórfico marcado em anticorpo neuronal MAP2 / Fábio Rogerio)

 

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – Uma das causas mais comuns de epilepsia refratária ao tratamento farmacológico – doença considerada de difícil controle – é uma malformação cerebral conhecida como displasia cortical focal.

Pacientes com esse problema apresentam uma discreta desorganização na arquitetura de uma região específica do córtex, que pode ou não estar associada à presença de células nervosas com estrutura e funcionamento anormais.

Um novo estudo, feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sugere que a desregulação na expressão de um gene chamado NEUROG2, importante para o processo de diferenciação dos neurônios e também das células da glia (astrócitos, oligodendrócitos e micróglias), teria um papel-chave no desenvolvimento da doença.

“Mostramos que no tecido cerebral de pacientes com displasia cortical focal a expressão do microRNA hsa-miR-34a está reduzida e isso parece resultar na superexpressão de NEUROG2. Esse fator pode estar associado a falhas no processo de diferenciação das células nervosas”, disse Iscia Lopes-Cendes, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e orientadora da pesquisa.

A investigação foi realizada durante o doutorado de Simoni Avansini, em estudo no âmbito do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (BRAINN), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP. Resultados foram divulgados recentemente no periódico Annals of Neurology.

“Nossos achados se baseiam na análise do tecido cerebral de 16 pacientes com displasia cortical focal do tipo 2 – aquele que além da desorganização cortical também apresenta as células nervosas aberrantes, entre elas neurônios dismórficos, que permanecem em constante estado de excitação e, por isso, favorecem as crises epilépticas”, explicou Cendes.

Nesses casos, acrescentou a pesquisadora, a remoção cirúrgica da área malformada do cérebro é a única estratégia disponível para controlar os sintomas da epilepsia. Mas isso só é possível quando não se trata de uma região nobre do cérebro, como aquelas associadas à visão, audição, fala e demais funções essenciais do organismo.

Segundo Cendes, cerca de 25% dos pacientes com epilepsia refratária com indicação para cirurgia têm displasia cortical focal. Entre crianças, porém, o índice é bem mais alto, sendo a malformação no córtex a principal causa de epilepsia de difícil controle na infância.

Estudos anteriores associaram o aparecimento de displasia cortical focal a mutações em uma via de sinalização celular mediada pela proteína mTOR (proteína alvo da rapamicina em mamíferos, na sigla em inglês), que leva a uma proliferação anormal de células quando hiperativa. Contudo, essas mutações somáticas (presentes no tecido displásico, mas não nas demais células dos pacientes) foram encontradas em aproximadamente um quarto dos afetados pela doença – não sendo capazes, portanto, de explicar todos os casos de malformação cerebral.

Na amostra analisada pelo grupo de Cendes, 28% dos pacientes com displasia tinham mutações somáticas na via da mTOR.

Regulação por microRNA

Com o objetivo de descobrir outras possíveis causas da malformação cerebral, os pesquisadores decidiram conduzir nos tecidos extraídos de pacientes atendidos na Unicamp uma análise da expressão de microRNAs – pequenas moléculas de RNA que não contêm informações para a síntese de proteínas, mas que são capazes de se ligar a genes codificadores e modular sua expressão.

Por uma técnica conhecida como microarray, foi analisado um conjunto de 800 microRNAs. A ideia era identificar, de modo indireto, genes importantes para o desenvolvimento cerebral que poderiam estar desregulados no tecido displásico. Os resultados foram comparados com os de pessoas sem a doença submetidas à autópsia (grupo controle).

“Notamos diferença na expressão de apenas três microRNAs: hsa-let-7f, hsa-miR-31 e hsa-miR-34. Fomos então investigar por técnicas de bioinformática com quais genes essas moléculas poderiam estar interagindo. Chegamos a uma lista com 10 candidatos”, disse Cendes.

O grupo então analisou a expressão desses 10 genes suspeitos nos tecidos dos 16 pacientes e do grupo controle e concluiu que apenas NEUROG2 estava superexpresso no grupo com displasia cortical focal.

“O microRNA ao se ligar ao gene inibe sua expressão. Portanto, quando a expressão do microRNA está reduzida, o gene fica mais ativo. É uma regulação ao contrário. Como NEUROG2 parece ser um gene importante para o desenvolvimento do cérebro, decidimos aprofundar as análises”, contou Cendes.

Combinando duas técnicas diferentes – PCR (reação em cadeia da polimerase) e hibridação in situ – o grupo da Unicamp conseguiu mostrar que NEUROG2 estava de fato com a expressão aumentada justamente nas células nervosas aberrantes encontradas no tecido displásico – tanto os neurônios dismórficos quanto as células em balão, que apresentam marcadores de células-tronco, de neurônios e de células da glia.

Para comprovar que o aumento na expressão estava relacionado à redução em hsa-miR-34a, o grupo realizou os chamados ensaios de ligação. Os resultados do experimento mostraram que de fato o microRNA é capaz de se ligar a uma região importante do gene NEUROG2 e inibir sua atividade.

“Resolvemos ir ainda um pouco mais adiante na investigação e mostramos que, no tecido dos pacientes displásicos, o gene RND2 – que é regulado por NEUROG2 e integra a mesma via de sinalização – também está superexpresso. Isso não foi observado no tecido controle”, contou Cendes.

Dados da literatura científica indicam que a via do NEUROG2 é importante para regular o processo de diferenciação das células nervosas. De acordo com Cendes, durante o desenvolvimento embrionário, primeiro deve ocorrer um processo de neurogênese (formação de novos neurônios) e, em seguida, a gliogênese (formação de células da glia).

“Acreditamos que com o NEUROG2 superexpresso essa transição da neurogênese para a gliogênese não ocorre de maneira adequada, pois o sinal que estimula a neurogênese fica ativo quando não mais deveria estar. Essa desregulação permanece no tecido displásico desde o desenvolvimento embrionário até a vida adulta”, disse a pesquisadora.

Resta ainda descobrir o que poderia causar a queda na expressão de hsa-miR-34 nesses pacientes. Na avaliação de Cendes, a explicação pode estar relacionada tanto a fatores genéticos (polimorfismos e mutações), quanto epigenéticos (fatores ambientais que alteram a expressão gênica sem modificar o DNA).

“É possível que a desregulação de hsa-miR-34 esteja relacionada a um fator ambiental, como uma infecção viral durante a gestação, por exemplo. São hipóteses que ainda precisam ser testadas em pesquisas futuras”, disse.

O artigo Dysregulation of NEUROG2 Plays a Key Role in Focal Cortical Dysplasia (doi: 10.1002/ana.25187) está publicado em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/ana.25187.
 

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