Inseto movimenta seguidamente gota de saliva para fora do aparato bucal e recolhe de volta, de modo a promover a evaporação e resfriar a temperatura corpórea, aponta estudo feito na USP e na Unesp (foto: Guilherme Gomes)
Inseto movimenta seguidamente gota de saliva para fora do aparato bucal e recolhe de volta, de modo a promover a evaporação e resfriar a temperatura corpórea, aponta estudo feito na USP e na Unesp
Inseto movimenta seguidamente gota de saliva para fora do aparato bucal e recolhe de volta, de modo a promover a evaporação e resfriar a temperatura corpórea, aponta estudo feito na USP e na Unesp
Inseto movimenta seguidamente gota de saliva para fora do aparato bucal e recolhe de volta, de modo a promover a evaporação e resfriar a temperatura corpórea, aponta estudo feito na USP e na Unesp (foto: Guilherme Gomes)
Elton Alisson | Agência FAPESP – Quando a temperatura do ambiente está alta, é hora de a mosca-varejeira (Chrysomya megacephala) se refrescar. Para isso, o inseto usa a saliva, movimentando repetidas vezes uma gota para fora e para dentro de seu aparato bucal, antes de engoli-la.
Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), em colaboração com colegas do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, constataram que esse comportamento contribui para refrescar a temperatura das moscas-varejeiras.
A movimentação da gota de saliva pela mosca em uma sequência de ciclos permite a perda de calor da gota por evaporação da água. A ingestão dessa gota mais fresca resfria a temperatura de partes importantes do corpo do inseto, como os músculos do voo e o cérebro.
A descoberta, feita durante o pós-doutorado de Guilherme Gomes no IFSC-USP, com Bolsa da FAPESP, e de um projeto realizado por pesquisadores da Unesp de Rio Claro também com apoio da Fundação, foi publicada na revista Scientific Reports.
“Observamos que esse comportamento das moscas-varejeiras, denominado ‘bubbling’, permite resfriar consideravelmente a temperatura do corpo do inseto”, disse Gomes à Agência FAPESP.
Durante vários dias, os pesquisadores registraram por meio de uma câmera termográfica as atividades de moscas-varejeiras adultas mantidas em uma câmara climática, com vedação e isolamento térmico.
As imagens obtidas por meio da câmera, capaz de detectar a radiação infravermelha emitida em função da temperatura, permitiram medir a temperatura corpórea superficial dos insetos em diferentes horários e condições de temperatura e de umidade.
“A câmera termográfica permite acompanhar variações de temperatura superficial que ocorrem em um curto espaço de tempo, de segundos”, disse Denis Otávio Vieira de Andrade, professor da Unesp de Rio Claro e um dos autores do estudo.
Os registros das atividades das moscas-varejeiras revelaram que esses insetos fazem ciclos sequenciais de mover uma gotícula de fluido para dentro e para fora de seu aparato bucofaríngeo de uma a até 15 vezes, em questão de segundos, antes de engoli-la. As análises das imagens por termografia infravermelha revelaram que a repetição desse ciclo faz a gotícula esfriar até 8 ºC em relação à temperatura ambiente em apenas 15 segundos.
A ingestão dessa gotícula resfriada reduz a temperatura da cabeça, tórax e abdome da mosca em, respectivamente, 1 ºC, 0,5 ºC e 0,2 ºC. E à medida que o ciclo é repetido, a temperatura dessas importantes partes do corpo do inseto diminuem em, respectivamente, 3 ºC, 1,6 ºC e 0,8ºC, constataram os pesquisadores.
“Quando a mosca move esse fluido da gota mais resfriado para dentro do aparato bucal, ela consegue diminuir a temperatura, primeiramente, da cabeça, posteriormente do tórax e, por fim, do abdome”, explicou Gomes.
Vídeo mostra o comportamento de bubbling realizado pela mosca-varejeira para se resfriar (vídeo: Guilherme Gomes / IFSC-USP)
Variação de frequência
Os pesquisadores também observaram que esse comportamento de “bubbling” da mosca-varejeira para promover o resfriamento evaporativo varia de acordo com a temperatura ambiente, a umidade, o nível de atividade e de produção de calor.
Em temperaturas abaixo de 25 ºC, por exemplo, em que o inseto é muito ativo e a ação de voo requer que os músculos usados para essa finalidade sejam aquecidos para funcionarem bem, a mosca não apresenta esse comportamento, uma vez que teria uma diminuição indesejada da temperatura corpórea.
Já em temperaturas entre 25 ºC e 30 ºC, as moscas-varejeiras aumentam a frequência desse comportamento com o objetivo de dissipar o calor. Entretanto, quando a umidade do ar é superior a 80%, o mecanismo perde a eficiência e as moscas deixam de engolir a gota, observaram os pesquisadores.
“Em um dia muito quente, com umidade relativa do ar entre 60% e 70%, esse comportamento é eficiente para as moscas-varejeiras arrefecerem partes e tecidos importantes de seu corpo. Já quando a umidade aumenta para mais de 80%, o inseto, apesar de ainda apresentar o comportamento, acaba expelindo a gota talvez porque o comportamento tenha perdido sua eficiência em promover o resfriamento”, estimou Gomes.
A mosca-varejeira também apresenta mais esse comportamento de borbulhamento para baixar a temperatura corpórea à noite, especialmente se a temperatura estiver alta, constataram os pesquisadores. “Ela reduz entre 2 ºC e 3 ºC a temperatura corpórea por oito horas durante a noite repetindo esse comportamento a cada 30 ou 60 minutos”, disse Gomes.
O aumento da frequência desse comportamento durante a noite é provavelmente vantajoso para o inseto porque a redução de sua temperatura corpórea diminui seu metabolismo e, consequentemente, o ajuda a economizar energia durante esse período.
Outros exemplos de animais que utilizam estratégia similar são algumas espécies de beija-flor e morcegos, que entram em estado de torpor no escuro, reduzindo a temperatura corpórea para economizar energia em um período em que não têm acesso a alimento, compararam os pesquisadores.
“Se a mosca mantivesse sua temperatura corpórea alta durante a noite, ela estaria metabolicamente muito ativa e gastaria uma maior parcela de suas reservas energéticas. Ao resfriar principalmente a cabeça, o inseto poderia reduzir o custo no processamento da visão e de tecidos altamente energéticos, como os do cérebro”, disse Gomes.
Video termográfico feito durante o comportamento de bubbling da mosca-varejeira (vídeo: Guilherme Gomes / IFSC-USP)
A gotícula projetada e recolhida pela mosca-varejeira para reduzir sua temperatura corpórea é composta por uma mistura de enzimas das glândulas salivares, antimicrobianos associados ao intestino anterior e de substâncias de refeições ingeridas pelo inseto.
Para se alimentar, a mosca-varejeira lança saliva sobre o alimento e, em seguida, suga a mistura composta pelo substrato alimentar, por sua própria saliva e enzimas das glândulas salivares. Ao pousar em outro local e repetir esse comportamento, o inseto acaba dispersando pequenas gotículas dessa mistura e pode transmitir doenças.
Os primeiros estudos sobre o comportamento de borbulhamento das moscas-varejeiras associaram a evaporação da água dessa mistura a uma estratégia do inseto de reduzir o peso de seus nutrientes e, consequentemente, se tornar mais leve para voar, uma vez que quanto mais matéria inerte na forma de água carregar, mais pesado fica e maior será o gasto para se deslocar.
“A evolução das moscas-varejeiras permitiu que o mecanismo de borbulhamento associasse duas funções primordiais para o inseto, que são a de reduzir o gasto energético durante o voo, ao diminuir o peso da matéria inerte, e a termorregulatória, de manter a temperatura corpórea ideal, que é um mecanismo que utiliza parcialmente os mesmos princípios físicos observados na transpiração em humanos e na ofegação dos cães”, comparou Gomes.
Com os dados obtidos a partir dos experimentos, os pesquisadores construíram um modelo matemático para compreender e descrever o processo de evaporação da gotícula de saliva e calcular qual o limite de diâmetro da gota para evaporar água rapidamente.
“O que nós fizemos foi aplicar princípios básicos de conservação de energia para este caso a fim de modelar a dinâmica de transferência de calor durante o comportamento”, disse o físico Roland Köberle, professor do IFSC-USP e coautor do estudo.
O artigo Droplet bubbling evaporatively cools a blowfly (doi: 10.1038/s41598-018-23670-2), de Guilherme Gomes, Roland Köberle, Claudio J. Von Zuben e Denis V. Andrade, pode ser lido na revista Scientific Reports em nature.com/articles/doi:10.1038/s41598-018-23670-2.
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