Estudos feitos na USP evidenciam como certas espécies de formigas e de abelhas dependem de microrganismos para alimentação, comunicação, defesa contra patógenos e para completar seu ciclo de desenvolvimento. No destaque, colônia de abelhas mandaguari (foto: Camila Paludo)
Estudos feitos na USP evidenciam como certas espécies de formigas e de abelhas dependem de microrganismos para alimentação, comunicação, defesa contra patógenos e para completar seu ciclo de desenvolvimento
Estudos feitos na USP evidenciam como certas espécies de formigas e de abelhas dependem de microrganismos para alimentação, comunicação, defesa contra patógenos e para completar seu ciclo de desenvolvimento
Estudos feitos na USP evidenciam como certas espécies de formigas e de abelhas dependem de microrganismos para alimentação, comunicação, defesa contra patógenos e para completar seu ciclo de desenvolvimento. No destaque, colônia de abelhas mandaguari (foto: Camila Paludo)
Karina Toledo | Agência FAPESP – Operárias em fila carregando para o ninho pedaços de planta com peso até cem vezes maior que o do próprio corpo. A cena – que à primeira vista pode ser surpreendente – é corriqueira nas colônias de formigas cortadeiras. O caminho até o formigueiro, sem qualquer desvio, é guiado por compostos químicos aromáticos conhecidos como feromônios de trilha.
No caso da Atta sexdens rubropilosa, uma das várias espécies conhecidas popularmente como saúva, as principais substâncias usadas nesse processo de geolocalização pertencem à classe das pirazinas.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto descobriram que uma bactéria encontrada na microbiota associada a essa formiga é capaz de produzir as mesmas pirazinas usadas pelo inseto para demarcar seu caminho até o ninho. O achado foi divulgado em artigo publicado na revista Scientific Reports.
“Observamos esse fenômeno em mais de uma colônia de saúva e isso abriu uma questão bem interessante: será que a bactéria Serratia marcescens produz o feromônio de trilha para a formiga ou contribui com esse processo de alguma forma? É algo que pretendemos investigar”, disse Mônica Tallarico Pupo, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP) e coordenadora da pesquisa.
O trabalho foi conduzido durante o doutorado de Eduardo Afonso da Silva Junior, em parceria com pesquisadores da Harvard University, nos Estados Unidos, no âmbito de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP e pelos National Institutes of Health (NIH).
Como explicou Pupo, o projeto tem como meta principal explorar a microbiota existente nos corpos de formigas brasileiras em busca de moléculas naturais que possam dar origem a fármacos (leia mais em: agencia.fapesp.br/19406). Há outra vertente, porém, mais voltada à ecologia química, que busca compreender a relação de dependência entre os insetos sociais e seus microrganismos simbiontes (aqueles que vivem em simbiose, interação longa e de modo geral benéfica entre dois organismos).
A bactéria produtora de pirazinas foi descoberta por acaso, quando os cientistas buscavam microrganismos capazes de proteger o formigueiro contra fungos parasitas.
“As folhas que as formigas cortadeiras carregam para o ninho servem, de fato, como substrato para cultivar fungos da espécie Leucoagaricus gongylophorous, que elas usam como alimento. Mas esse sistema é suscetível a infecções”, explicou a pesquisadora.
“Em alguns casos, cresce sobre a fonte de alimento uma outra espécie patogênica, que pode comprometer a viabilidade do formigueiro. As bactérias simbiontes produzem compostos capazes de matar o fungo parasita sem prejudicar a fonte de alimento. Nós estávamos atrás desses compostos”, acrescentou.
Os experimentos descritos no artigo foram feitos com colônias coletadas dentro do campus da USP, em Ribeirão Preto. Quando os cientistas conseguiam coletar a rainha, parte do formigueiro era transportada e mantida no laboratório. Em seguida, todas as bactérias encontradas na superfície e no interior dos corpos dos insetos foram isoladas, caracterizadas e colocadas em meio de cultura.
Durante esse processo, Silva Junior percebeu que quando a espécie Serratia marcescens era cultivada in vitro liberava um aroma forte muito semelhante ao dos formigueiros mantidos em laboratório.
“Decidimos investigar os compostos voláteis produzidos por essa bactéria e descobrimos as pirazinas – entre elas uma molécula nunca antes descrita na literatura científica”, disse Pupo.
Os pesquisadores usaram uma espécie de fibra capaz de absorver os compostos aromáticos da placa de cultura. O material foi, posteriormente, analisado por cromatografia gasosa associada à espectrometria de massas.
“Nas glândulas de veneno das formigas encontramos tanto as pirazinas como a bactéria. Não sabemos ao certo se existe uma síntese compartilhada ou se o microrganismo produz os compostos aromáticos e o inseto apenas os estoca em suas glândulas. Pretendemos, em estudos futuros, testar técnicas para remover essa bactéria da formiga e, assim, observar se os compostos continuam sendo produzidos”, explicou Pupo.
Outro plano do grupo é investigar se fenômeno semelhante pode ser observado em outras espécies de formiga – algo ainda não descrito na literatura científica
Metamorfose de abelhas
O cultivo de fungos no interior do ninho – seja com fins de nutrição ou defesa – parece ser uma prática disseminada entre os insetos sociais. Em 2015, pesquisadores brasileiros descreveram na revista Current Biology que larvas de abelhas sem ferrão da espécie mandaguari (Scaptotrigona depilis) se alimentam, ao nascer, de filamentos de um fungo encontrado dentro das células de cria (leia mais em: agencia.fapesp.br/22113). Sem esse alimento, os insetos não conseguem chegar à fase adulta.
Esse processo de simbiose foi estudado mais profundamente pelo grupo de Pupo recentemente, durante o doutorado de Camila Paludo, no âmbito do mesmo Projeto Temático. Os resultados foram divulgados na revista Scientific Reports em janeiro.
“Sabemos que os insetos não são capazes de sintetizar os próprios hormônios. Eles precisam adquirir substâncias precursoras por meio da dieta. Nossa hipótese era que o fungo forneceria um precursor para o hormônio de muda, necessário para a abelha completar a metamorfose”, disse Pupo.
O primeiro passo da investigação foi isolar o fungo das células de cria e caracterizá-lo em laboratório. O grupo identificou tratar-se da espécie Zygosaccharomyces sp.
“Não sabemos ao certo como esse fungo vai parar no interior da célula de cria. As abelhas colocam os ovos e depois preenchem a cela com um líquido chamado alimento larval. Cerca de três dias depois, o fungo começa a crescer ali dentro”, contou a pesquisadora.
Com uma técnica conhecida como microscopia de fluorescência, os pesquisadores encontraram acúmulo de lipídeos no citoplasma do fungo – tanto nas amostras cultivadas em laboratório como nas extraídas diretamente de colônias de abelha.
“Os esteroides – substâncias precursoras dos hormônios de muda – têm natureza lipídica. Com auxílio da cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas identificamos que o composto predominante entre os lipídeos desse fungo era o ergosterol”, disse Pupo.
Por meio de experimentos in vitro, os pesquisadores comprovaram que as larvas conseguiam completar a metamorfose quando o fungo era inoculado no alimento das larvas e também quando era acrescentado apenas o ergosterol.
“Os resultados foram estatisticamente equivalentes para essas duas situações”, relatou Pupo. “Porém, quando as larvas recebiam somente o alimento larval não conseguiam chegar à fase adulta. Concluímos, portanto, que o ergosterol está de fato sendo usado pelas larvas na produção do hormônio de muda, o que reforça a relação de dependência entre a abelha e o fungo”, acrescentou.
Agora, o grupo pretende investigar se fenômenos semelhantes ocorrem em outras espécies de abelha com e sem ferrão.
O artigo Pyrazines from bacteria and ants: convergent chemistry within an ecological niche pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-018-20953-6. Já o estudo Stingless Bee Larvae Require Fungal Steroid to Pupate está disponível no endereço: www.nature.com/articles/s41598-018-19583-9.
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