Ideia surgiu de pesquisa com objetivo completamente diferente, de buscar um modelo simplificado para buracos negros quânticos (imagem: Wikimedia)

Mecanismo pode retardar a perda de informação em dispositivos quânticos de memória
08 de novembro de 2017
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Ideia surgiu de pesquisa com objetivo completamente diferente, de buscar um modelo simplificado para buracos negros quânticos

Mecanismo pode retardar a perda de informação em dispositivos quânticos de memória

Ideia surgiu de pesquisa com objetivo completamente diferente, de buscar um modelo simplificado para buracos negros quânticos

08 de novembro de 2017
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Ideia surgiu de pesquisa com objetivo completamente diferente, de buscar um modelo simplificado para buracos negros quânticos (imagem: Wikimedia)

 

José Tadeu Arantes  |  Agência FAPESP – A conservação da informação é, talvez, um dos maiores desafios para o desenvolvimento da computação quântica. Isso porque, como mostrou o físico da IBM Rolf Landauer (1927-1999) no início dos anos 1960, existe uma conexão íntima entre informação e calor. O processamento de dados produz energia térmica e, como consequência, a informação é corrompida, não podendo ser armazenada para sempre – nem mesmo por um tempo suficientemente longo.

A grande ironia é que, ao longo da história, o desenvolvimento dos substratos materiais da informação e o aumento da quantidade de informação neles registrada têm sido acompanhados da progressiva perda de capacidade de retenção.

As inscrições em pedra gravadas nos monumentos egípcios resistem há milhares de anos; os livros em papel, nos melhores cenários, podem se preservar por alguns séculos; já os prazos de validade para os discos rígidos contemporâneos são de três a cinco anos e os dispositivos de memória flash, CDs e DVDs não duram mais de uma década. Com a expectativa de miniaturização dos sistemas, até a escala quântica, o fenômeno deverá se acentuar, porque a dissipação de energia na forma de calor aumenta.

Um novo estudo identificou um fenômeno que pode possibilitar aos sistemas quânticos reter informações por muito mais tempo do que o esperado. Embora concebido no âmbito da ciência pura, com aparato matemático altamente abstrato, o modelo proposto oferece ideias que, talvez, possam servir como paradigma para os tecnólogos e engenheiros envolvidos na construção de componentes do futuro computador quântico.

O modelo foi descrito em artigo no Journal of High Energy Physics assinado por Pramod Padmanabhan, Soo-Jong Rey, Daniel Teixeira e Diego Trancanelli.

“Esse estudo é um exemplo de como ideias originadas em áreas completamente diferentes podem transcender seu âmbito inicial e oferecer perspectivas de aplicações imprevistas. Quando começamos o trabalho, não pensávamos em computação quântica. Padmanabhan, que fazia seu pós-doutorado na USP, estava interessado em aplicar uma construção incomum de supersimetria na classificação de fases da matéria. Vislumbrei nisso a possibilidade de elaboração de modelos simples para tentar entender alguns aspectos da gravitação quântica, que é minha área de pesquisa. O desenvolvimento do trabalho nos levou muito longe do ponto de partida”, disse Trancanelli, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, à Agência FAPESP.

O estudo foi apoiado pela FAPESP por meio do Projeto Temático “Dualidade gravitação/Teoria de Gauge”, do Auxílio à Pesquisa – Regular “Testes de precisão da correspondência AdS/CFT” e da Bolsa de Pós-Doutorado “Aplicaçôes de álgebras de Hopf na Física”.

Trancanelli explica que o objetivo inicial foi construir um modelo simplificado que funcionasse como análogo do buraco negro. Mas não dos buracos negros astrofísicos, produzidos pelo colapso gravitacional de estrelas de grande massa, e, sim, dos buracos negros quânticos, que são objetos muito pequenos, para os quais se busca estabelecer uma teoria de gravitação quântica.

“Uma das características atribuídas aos buracos negros quânticos é a de serem caóticos. Qualquer informação aportada a eles seria ‘esquecida’ em pouquíssimo tempo. Em toda a natureza, eles seriam os que fariam isso da maneira mais rápida. No entanto, quando construímos o modelo simplificado, verificamos que os vínculos impostos pela supersimetria são tão fortes que, de fato, o que acontece é exatamente o contrário. Em vez de caos, o que ocorre é uma ordem na qual as informações não são destruídas e desperdiçadas, mas conservadas. Encontramos o oposto daquilo que procurávamos: um sistema que consegue preservar informação de maneira muito eficiente”, disse.

Essa é uma das propriedades almejadas na construção de dispositivos de um futuro computador quântico. Porque, neles, a preservação da informação, sem a chamada “decoerência”, resultante da interação do sistema com o meio, é uma necessidade fundamental.

“Não é que estejamos propondo um dispositivo quântico de memória. Nossa pesquisa ocorreu no âmbito da ciência pura, sem nenhuma expectativa de desdobramento tecnológico. Mas algumas ideias que desenvolvemos poderão, eventualmente, fornecer pistas úteis”, disse o doutorando Daniel Teixeira, coautor do artigo.

Para entender com maior profundidade o assunto, é preciso considerar a visão que se tem acerca dos buracos negros e o que o modelo simplificado em pauta tentava reproduzir. Um conceito-chave é o de “horizonte de eventos”, o limite a partir do qual não há retorno. Se determinada quantidade de matéria atravessa o horizonte de eventos, ela é capturada pelo buraco negro e não volta mais.

Sob muitos aspectos, o horizonte de eventos comporta-se como uma membrana. Assim como uma pedra lançada na água produz ondas, que, pouco a pouco, se dissipam, qualquer informação que caia em um buraco negro produz perturbações em seu horizonte de eventos – perturbações que, muito rapidamente, se dissipam.

Esse processo de “desconfiguração” da informação é chamado, em inglês, de scrambling, termo que pode ser traduzido como “mistura”. Um exemplo cotidiano de scrambling são os ovos mexidos – scrambled eggs, em inglês. Uma vez que a clara e a gema sejam misturadas, elas não podem mais ser recuperadas em sua configuração original. Ocorre uma perda de informação no sistema, relacionada com o aumento de entropia.

“O que descobrimos com nosso novo modelo foi que os vínculos proporcionados pela supersimetria desempenham um papel análogo ao dos isolantes térmicos, que retardam a troca de calor, e portanto de informação, entre o sistema e o meio. Nosso modelo não reproduz o buraco negro, que é uma realidade muito mais complexa. Em vez da dissipação rápida, o comportamento que apresenta é o da conservação prolongada da informação – um resultado surpreendente, e muito interessante para a eventual criação de dispositivos quânticos de memória”, disse Trancanelli.

Supersimetria

Supersimetria é uma estrutura matemática, proposta pelos físicos teóricos, ainda não observada experimentalmente. De forma muito resumida, a ideia básica é a de que, para cada partícula dita elementar, exista um parceiro supersimétrico, igual em energia, mas diferente pela estatística.

No chamado Modelo Padrão, por exemplo, todas as partículas são férmions ou bósons. Férmions são partículas com spin semi-inteiro, que obedecem à estatística de Fermi-Dirac. Por exemplo, o elétron. Bósons são partículas com spin inteiro, que obedecem à estatística de Bose-Einstein. Por exemplo, fóton. Nas extensões do Modelo Padrão que incluem supersimetria, para cada férmion adiciona-se um bóson como parceiro e vice-versa.

“A supersimetria é útil porque torna as teorias muito mais simples. É fácil entender isso por meio de uma analogia. Vamos comparar dois corpos geométricos: a esfera e o cubo. Ambos apresentam simetria, mas a esfera é mais simétrica. A visão que temos da esfera não depende do ângulo olhado, porque ela é simétrica em todas as direções. Já a visão que temos do cubo depende do ângulo a partir do qual o vemos. Então, quanto mais simétrico é um sistema, mais simples é a teoria necessária para descrevê-lo. No caso de alguns sistemas quânticos, como o que estudamos, a supersimetria vincula tanto a teoria que a deixa resolúvel. É possível calcular com papel e lápis, sem a necessidade de simulações numéricas e pesados recursos computacionais. Foi assim que fizemos todos os nossos cálculos”, explicaram os pesquisadores.

Usando os princípios matemáticos da supersimetria, Trancanelli e colaboradores idealizaram um material hipotético dotado de uma espécie de “barreira”, capaz de retardar a perda de informação. Essa “barreira” é constituída pelo fato de os elétrons ocuparem, na estrutura do material, os patamares de mínima energia e não terem patamares superiores disponíveis. Com isso, a troca de energia entre o sistema e o meio também é minimizada.

No final, a entropia sempre vence, e a informação é “desconfigurada”. Mas o tempo de retenção da informação torna-se exponencialmente mais longo do que o dos dispositivos de memória atuais, baseados em substratos de silício.

Embora tal material ainda não exista, a ideia pode guiar os tecnólogos e engenheiros envolvidos na viabilização da computação quântica.

O artigo Supersymmetric many-body systems from partial symmetries — integrability, localization and scrambling (doi: https://doi.org/10.1007/JHEP05(2017)136), de Pramod Padmanabhan, Soo-Jong Rey, Daniel Teixeira e Diego Trancanelli, pode ser lido em https://link.springer.com/article/10.1007/JHEP05(2017)136.
 

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