Em artigo publicado na Nature, pesquisadores mostram que pequenas moléculas de RNA liberadas pelos adipócitos na circulação regulam a expressão de genes-chave para o metabolismo em outros tecidos (Imagem: Adipócitos diferenciados em cultura e corados com reagente/Marcelo Mori)

Estudo revela novo mecanismo de regulação da expressão gênica pelo tecido adiposo
16 de fevereiro de 2017

Em artigo publicado na Nature, pesquisadores mostram que pequenas moléculas de RNA liberadas pelos adipócitos na circulação regulam a expressão de genes-chave para o metabolismo em outros tecidos

Estudo revela novo mecanismo de regulação da expressão gênica pelo tecido adiposo

Em artigo publicado na Nature, pesquisadores mostram que pequenas moléculas de RNA liberadas pelos adipócitos na circulação regulam a expressão de genes-chave para o metabolismo em outros tecidos

16 de fevereiro de 2017

Em artigo publicado na Nature, pesquisadores mostram que pequenas moléculas de RNA liberadas pelos adipócitos na circulação regulam a expressão de genes-chave para o metabolismo em outros tecidos (Imagem: Adipócitos diferenciados em cultura e corados com reagente/Marcelo Mori)

 

Karina Toledo | Agência FAPESP –Um estudo apoiado pela FAPESP e publicado hoje (15/02) na revista Nature revelou que o tecido adiposo secreta pequenas moléculas de RNA que caem na circulação sanguínea e regulam, em tecidos distantes como o fígado, a expressão de genes importantes para o metabolismo.

Experimentos com camundongos mostraram que com o envelhecimento a produção desses microRNAs no tecido adiposo tende a diminuir – fenômeno que, segundo os autores, parece estar associado ao desenvolvimento de doenças comuns em idosos, como diabetes. A descoberta abre caminho para o desenvolvimento de intervenções capazes de reverter o processo.

“De fato, intervenções nessa via podem ser bastante promissoras no tratamento de doenças associadas ao envelhecimento e fazer com que as pessoas vivam por mais tempo e de forma mais saudável”, afirmou Marcelo Mori, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coautor do artigo.

A pesquisa foi coordenada por Ronald Kahn, professor da Harvard Medical School, nos Estados Unidos, com quem Mori iniciou uma colaboração há cerca de nove anos, quando realizava o pós-doutorado.

“O grupo coordenado por Kahn estava interessado em entender como o tecido adiposo poderia controlar determinados processos que contribuem de maneira direta para o envelhecimento. Fizemos uma análise da expressão de microRNAs no tecido adiposo de camundongos e notamos que, com o envelhecimento, havia uma redução global na expressão dessas moléculas. Mas esse fenômeno ocorria apenas no tecido adiposo e parecia estar associado à queda na expressão de uma enzima conhecida como DICER”, contou o pesquisador.

Pertencente à família das nucleases, a enzima DICER é capaz de cortar a molécula de RNA em pedaços menores, originando os microRNAs. Embora não contenham informações para a tradução de proteínas, esses pedacinhos de RNA desempenham uma função regulatória importante nas células, pois são capazes de se ligar a moléculas de RNA mensageiro, podendo, por exemplo, inibir o processo de tradução de uma proteína.

“Levantamos então a hipótese de que o tecido adiposo secretava esses microRNAs na circulação para controlar a expressão de genes em órgãos distais e isso, de certa forma, contribuía para a função endócrina do tecido. Começamos uma série de experimentos para testar essa hipótese”, contou Mori.

Lipodistrofia

Em um dos modelos, os pesquisadores silenciaram a expressão da enzima DICER somente nos adipócitos de um grupo de camundongos. Os animais então deixaram de produzir microRNAs no tecido adiposo (nos demais tecidos a produção permaneceu normal) e desenvolveram distúrbios comuns em idosos, como resistência à insulina. Também passaram a apresentar um risco aumentado de morte prematura.

“Observamos que esses animais desenvolviam um fenótipo de lipodistrofia parcial – doença caracterizada por uma distribuição anormal de gordura pelo corpo. É um fenótipo semelhante ao de humanos com lipodistrofia parcial congênita e também de pessoas que desenvolvem essa condição em decorrência do uso de medicamentos antirretrovirais”, contou Mori.

Os pesquisadores então descobriram que pacientes com Aids que faziam uso de antirretrovirais também tinham diminuição na expressão de DICER e na produção de microRNAs no tecido adiposo. Observaram ainda que tanto pacientes com HIV em tratamento como portadores de lipodistrofia congênita têm uma quantidade reduzida de microRNAs na circulação sanguínea.

Nos animais geneticamente modificados para não expressar DICER nos adipócitos, foi observada uma redução de aproximadamente 80% na quantidade de microRNAs presentes na circulação sanguínea em comparação aos animais “selvagens” (sem modificação genética).

No experimento seguinte, os pesquisadores transplantaram o tecido adiposo de um animal selvagem para outro que teve o gene codificador de DICER nocauteado nos adipócitos. O teste foi feito tanto com tecido adiposo marrom (cuja função principal é transformar a energia dos alimentos em calor), como com tecido adiposo branco (que armazena a energia excedente consumida na forma de triglicerídeos).

“Quando transplantamos o tecido adiposo marrom do animal selvagem para o camundongo nocaute para DICER, o nível de microRNAs circulantes aumentou, tornando-se equivalente ao do animal que doou o tecido. Observamos efeito semelhante, porém com menor magnitude, quando transplantamos o tecido adiposo branco”, contou Mori.

Na avaliação do pesquisador, o resultado representa uma prova de conceito de que o tecido adiposo marrom é a principal fonte dos microRNAs encontrados na circulação sanguínea.

“Muitos dos microRNAs que estavam diminuídos na circulação dos pacientes com lipodistrofia também estavam diminuídos no sangue do animal nocaute para DICER nos adipócitos. Isso sugere, portanto, que o mecanismo que comprovamos existir em camundongos é conservado em humanos”, avaliou Mori.

O grupo observou ainda que o transplante de tecido adiposo marrom reverteu nos animais nocaute características fenotípicas indesejadas, como a intolerância à glicose.

Ação a distância

O passo seguinte da investigação foi comprovar que esses microRNAs liberados pelo tecido adiposo na circulação de fato estavam interferindo na expressão gênica de outros tecidos. Para isso, o grupo escolheu como marcador a proteína FGF21 – um fator de crescimento que controla várias funções metabólicas, entre elas a sinalização por insulina, captação de glicose, metabolismo lipídico e ingestão alimentar. Essa proteína é expressa principalmente no fígado.

“Mostramos que a expressão de FGF21 nos animais nocaute para DICER nos adipócitos está aumentada no fígado, assim como o nível desse fator de crescimento na circulação. Ou seja, em decorrência da redução de microRNAs especificamente em adipócitos, a produção desse fator de crescimento no fígado não estava sendo inibida como ocorria nos animais selvagens”, explicou Mori.

Com auxílio de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores investigaram quais dos microRNAs secretados pelo tecido adiposo poderiam ter como alvo o RNA mensageiro que codifica FGF21. Algumas moléculas candidatas foram testadas em culturas de células humanas, entre elas o miR-99b.

“Na circulação sanguínea, os microRNAs costumam ser encontrados principalmente nos exossomos – pequenas vesículas secretadas pelas células. Nós pegamos exossomos extraídos do sangue de animais selvagens e de animais nocaute para DICER em adipócitos e incubamos com células hepáticas humanas para ver o que acontecia com a expressão de FGF21”, contou Mori.

Enquanto os exossomos extraídos de animais selvagens induziam uma significativa diminuição na expressão de FGF21, os exossomos dos animais nocaute causavam uma queda muito mais discreta. No entanto, quando o miR-99b era introduzido nos exossomos dos animais nocaute, esses passavam a inibir FGF21 tanto quanto os dos animais selvagens.

“Os resultados sugerem que o miR-99b é secretado pelo tecido adiposo em exossomos, cai na circulação e inibe, no fígado, a expressão de FGF21. O que confirmamos posteriormente por meio de experimentos mais elaborados em camundongos”, explicou o pesquisador.

Os efeitos para o organismo decorrentes do silenciamento de FGF21 pelos microRNAs do tecido adiposo, bem como as alterações fenotípicas que ocorrem quando essa regulação deixa de existir, serão um possível tema para estudos futuros do grupo, contou Mori.

Outra possibilidade, segundo o pesquisador, é investigar a relação entre a redução da expressão de microRNAs no tecido adiposo com a obesidade. “Embora até agora esse não tenha sido o foco do trabalho, observamos em um estudo feito em parceria com cientistas da Alemanha que em camundongos obesos, mesmo jovens, há diminuição na expressão de DICER e na produção de microRNAs no tecido adiposo. Entender essa relação, bem como descobrir de que forma alterações metabólicas, restrição dietética e prática de exercícios alteram esse mecanismo essencial é algo interessante para o futuro”, disse.

O artigo “Adipose-Derived Circulating miRNAs Regulate Gene Expression in Other Tissues” pode ser lido em: http://www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/full/nature21365.html.

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