Pesquisadores do Butantan, que haviam desenvolvido solução contra picada do niquim, descobrem na peçonha do peixe um peptídeo com atividade antiinflamatória para esclerose múltipla (Thalassophryne nattereri e seus espinhos venenosos / divulgação)
Pesquisadores do Butantan, que haviam desenvolvido solução contra picada do niquim, descobrem na peçonha do peixe um peptídeo com atividade anti-inflamatória para esclerose múltipla
Pesquisadores do Butantan, que haviam desenvolvido solução contra picada do niquim, descobrem na peçonha do peixe um peptídeo com atividade anti-inflamatória para esclerose múltipla
Pesquisadores do Butantan, que haviam desenvolvido solução contra picada do niquim, descobrem na peçonha do peixe um peptídeo com atividade antiinflamatória para esclerose múltipla (Thalassophryne nattereri e seus espinhos venenosos / divulgação)
Peter Moon | Agência FAPESP – Quando se pensa em um peixe venenoso é comum lembrar da imagem de um baiacu inflado como um balão. No baiacu – designação popular de diversos peixes da ordem dos Tetraodontiformes –, o veneno está na carne. Comer a carne não tratada para a retirada da toxina pode levar à morte.
O baiacu é venenoso, mas não é peçonhento: não tem presas nem espinhos para injetar toxina em suas vítimas e, desse modo, imobilizá-las. O niquim (Thalassophryne nattereri), habitante de águas rasas, tem tudo isso.
O niquim vive na zona de transição entre as águas salgada e doce, escondido no fundo lodoso de rios e lagoas costeiras. Na maré vazante o peixe cor de areia sobrevive enterrado, podendo viver fora d’água por até 18 horas. Quem caminha pela areia rasa no litoral do Norte e Nordeste, estendendo-se até a costa do Espírito Santo, pode inadvertidamente ser picado pelo niquim. Todos os anos há relatos de 50 a 100 acidentes no litoral brasileiro. O número real deve ser maior, pois não há notificação obrigatória e nem tratamento por enquanto.
Em 2008, um grupo de pesquisadores do Laboratório Especial de Toxinologia do Instituto Butantan, em São Paulo, desenvolveu um soro efetivo contra a picada do niquim. Agora, a mesma equipe, liderada pelas imunofarmacologistas Mônica Lopes-Ferreira e Carla Lima, descobriu que as fêmeas do niquim, embora menores, têm toxina mais poderosa que a dos machos.
Os resultados da pesquisa, desenvolvida no âmbito do Centro de Toxinas, Resposta-Imune e Sinalização Celular (CeTICS), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP, foi publicado na revista Toxicon.
Em outro estudo, o grupo de pesquisadores já havia observado na peçonha do niquim um peptídeo que mostrou ter ação contra a esclerose múltipla – doença inflamatória autoimune neurológica na qual o sistema imunológico afeta a bainha de mielina que recobre os neurônios, responsável pela condução nervosa.
“Identificamos um peptídio com atividade anti-inflamatória comprovada nos casos de esclerose múltipla. Em camundongos, o peptídeo bloqueia o trânsito e a infiltração de linfócitos patogênicos e macrófagos para o sistema nervoso central, o que favorece o aumento de células reguladoras. Isso resulta na atenuação da neuroinflamação e na prevenção da desmielinização, refletindo no adiamento do aparecimento dos sintomas e na melhoria dos sinais clínicos da doença”, explicou Lima.
O peptídeo, denominado TnP (peptídeo do T. nattereri), foi descoberto em 2007, quando Lopes-Ferreira resolveu pesquisar se o veneno era composto por peptídeos além de proteínas. Simultaneamente, Lima havia padronizado no laboratório testes em murinos (roedores) para avaliação de esclerose múltipla. As duas resolveram testar a eficácia do peptídeo no tratamento da doença.
“Inicialmente, descobrimos a função anti-inflamatória do peptídeo e, mais recentemente, a função imunomoduladora”, disse Lopes-Ferreira. Segundo ela, todos os ensaios científicos para a comprovação da eficácia do peptídeo no tratamento da esclerose múltipla foram feitos no laboratório de toxinologia do Butantan, em parceria com o laboratório Cristália, de Itapira (SP).
As próximas etapas rumo a um medicamento necessitam da continuação da parceria com o laboratório ou com outro que tenha interesse na descoberta e na sua aplicação. Mas os pesquisadores ainda aguardam a aprovação do pedido de patente solicitada ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
“Depositamos, em 2007, o pedido da patente que ainda está pendente de aprovacão. Nesse meio tempo, a patente já foi requerida e aprovada na Comunidade Europeia, nos Estados Unidos, Canadá, México, Japão, Coreia do Sul, Índia e China. Em média, cada processo levou um ano para ser aprovado”, disse Lima.
Fêmeas são mais venenosas
O niquim possui quatro espinhos ligados a uma glândula produtora de toxina poderosa. A maioria dos acidentes com o peixe em humanos ocorre na região palmar e plantar. O veneno provoca dor, edema e necrose de difícil cicatrização, acarretando em perda de função.
“Há relatos de pessoas que choram de dor. O pé ferido quase duplica de tamanho e a dor e o edema podem levar até dois meses para desaparecer”, disse Carla Lima. Esses sintomas são provocados principalmente por proteases encontradas no veneno, chamadas de natterinas.
Segundo Mônica Lopes-Ferreira, inicialmente as natterinas impedem o recrutamento celular – todo processo inflamatório aciona um mecanismo de recrutamento e ativação de células fagocitárias responsáveis pelo controle inicial do agente causador do problema. As proteases do veneno do niquim impedem essa reação natural do organismo.
Além disso, as natterinas provocam estase venular – paralisação do fluxo de sangue pelos vasos – e agem na matriz extracelular, afetando o metabolismo e as trocas e interações entre as células.
Agora se sabe que as fêmeas da espécie são mais venenosas. Os machos da espécie têm em média 22 centímetros de comprimento e 200 gramas. Já as fêmeas são bem menores: 18 centímetros e 120 gramas. No entanto, a concentração de toxina no veneno das fêmeas é diferente, e muito mais necrosante.
Ou seja, os sintomas da picada da fêmea são mais severos e mais prolongados. Mas não fatais. “A glândula que produz o veneno não o faz na quantidade suficiente para ser fatal a um ser humano. Para tanto, a quantidade de toxina teria que ser 20 vezes maior”, disse Lima.
Não existe tratamento farmacológico disponível para uso público contra o veneno do niquim. A composição do veneno dos peixes é muito diferente daqueles das cobras e dos escorpiões. “O veneno do niquim não pertence à família das toxinas clássicas e, portanto, a dor provocada por ele não pode ser tratada com nenhum analgésico clássico”, disse Lima.
Como uma das especialidades do Butantan é a fabricação de soro antiofídico, em 2008 a equipe do Laboratório Especial de Toxinologia extraiu o veneno do niquim e inoculou em cavalos para a produção de anticorpos com os quais foi feito um soro. Em camundongos, o soro antiveneno de T. nattereri produzido em equinos se mostrou eficaz na neutralização da necrose e da dor e parcialmente do edema.
“O fato de inibir a necrose já é muito importante, uma vez que a necrose é um dos maiores transtornos do acidente”, disse Lopes-Ferreira. O soro contra o veneno do niquim ainda não está sendo produzido, aguardando o interesse do Ministério da Saúde em sua produção industrial.
O artigo Analysis of the intersexual variation in Thalassophryne maculosa fish venoms (doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.toxicon.2016.02.022), de Mônica Lopes-Ferreira, Ines Sosa-Rosales, Fernanda M. Bruni, Anderson D. Ramos, Fernanda Calheta Vieira Portaro, Katia Conceição e Carla Lima, pode ser adquirido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0041010116300393.
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