Descoberta de cristais inusitados, em 1982, enfrentou o ceticismo da comunidade científica até ser aceita após mais de uma década, contou o israelense Daniel Shechtman em conferência na 64ª Reunião Anual da SBPC (foto:E.Alisson)

Nobel de Química relata saga para o reconhecimento dos quasicristais
26 de julho de 2012

Descoberta de cristais inusitados, em 1982, enfrentou o ceticismo da comunidade científica até ser aceita após mais de uma década, contou o israelense Daniel Shechtman em conferência na 64ª Reunião Anual da SBPC

Nobel de Química relata saga para o reconhecimento dos quasicristais

Descoberta de cristais inusitados, em 1982, enfrentou o ceticismo da comunidade científica até ser aceita após mais de uma década, contou o israelense Daniel Shechtman em conferência na 64ª Reunião Anual da SBPC

26 de julho de 2012

Descoberta de cristais inusitados, em 1982, enfrentou o ceticismo da comunidade científica até ser aceita após mais de uma década, contou o israelense Daniel Shechtman em conferência na 64ª Reunião Anual da SBPC (foto:E.Alisson)

 

Elton Alisson, de São Luís (MA)

Agência FAPESP – Uma das mais importantes descobertas na química nas últimas décadas – com aplicações nas mais diversas áreas, como a de engenharia de materiais – enfrentou o ceticismo de boa parte da comunidade científica até ser aceita após mais de uma década. Aceitação que culminou com o prêmio Nobel.

A saga do reconhecimento e afirmação dos quasicristais – formas estruturais ordenadas, como os cristais, mas em padrões que não se repetem – foi relatada por Daniel Shechtman, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Israel (Technion) e ganhador do Nobel de Química em 2011 pela descoberta, em conferência na 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em São Luís (MA).

Em abril de 1982, enquanto examinava uma liga de alumínio e manganês em um microscópio de transmissão eletrônica, Shechtman deparou com uma imagem que contradizia as leis da natureza.

Até então, acreditava-se que em toda matéria sólida os átomos se agrupavam dentro de cristais em padrões simétricos repetidos de forma periódica e constante e que essa repetição era fundamental para se obter um cristal, como um diamante.

Porém, a imagem observada por Shechtman mostrava que os átomos em um cristal poderiam ser agrupados em um padrão que simplesmente não se repetiria jamais.

Ao discutir a descoberta com colegas no laboratório, as reações variaram do encorajamento para publicar os resultados à rejeição total da ideia. “O chefe do laboratório em que eu trabalhava colocou um livro sobre difração na minha mesa e disse que eu devia lê-lo, porque o que eu dizia ia contra tudo o que já tinha sido publicado. Segundo ele, o que eu estava propondo simplesmente não existia. Tempos depois, fui convidado por meu chefe a deixar o grupo, o que acabei fazendo”, contou.

O primeiro artigo submetido em 1983 por Shechtman a um periódico da área de química, descrevendo a descoberta, foi rejeitado pelos pareceristas. Esses sugeriram que os resultados da pesquisa fossem publicados em uma revista de metalurgia, o que acabou sendo feito por Shechtman e seus colaboradores.

Em 1984, uma versão resumida do primeiro artigo original sobre os quasicristais foi submetida e aceita pela prestigiosa Physical Review Letters, o que contribuiu para a maior aceitação da descoberta.

Entretanto, mesmo com essa publicação, a rejeição aos quasicristais não acabou. “A partir da publicação do artigo, comecei a receber diversas ligações de cientistas de diferentes áreas comunicando que estavam descobrindo outros quasicristais, mas parte da comunidade científica ainda não havia se convencido da importância da descoberta”, relembrou.

De acordo com Shechtman, um dos cientistas que mais duvidaram e detrataram os quasicristais foi nada menos que o norte-americano Linus Pauling (1901-1994), o único na história a ganhar sozinho o Nobel em duas áreas diferentes – Química e Paz.

Ganhador do Nobel de Química em 1954, por estudos sobre a natureza das ligações químicas, Pauling disse que não existiam quasicristais ou quasimateriais, mas sim “quasicientistas”, em um trocadilho jocoso com a descoberta. “Pauling era um cientista brilhante, mas que não tinha humildade e achava que sabia de tudo”, disse Shechtman.

Apesar das divergências em relação aos quasicristais, Shechtman conta que concordava em vários outros assuntos com Pauling, com quem se encontrou esporadicamente e manteve contato por um longo tempo.

Certa vez, Pauling lhe enviou uma carta propondo que publicassem um artigo científico juntos, ao que Shechtman respondeu afirmativamente, desde que Pauling aceitasse a existência dos quasicristais.

Pauling treplicou que, então, seria preciso esperar mais tempo para que se comprovasse a existência dos quasicristais e pudessem concretizar a ideia de escreverem um artigo científico juntos. “Quando ele morreu, a quaseperiodicidade dos cristais já estava quase que totalmente aceita”, disse Shechtman.

Comprovação definitiva

Segundo Shechtman, uma pesquisa que realizou em 1987 juntamente com pesquisadores da França e do Japão, em que analisaram a estrutura de um cristal maior do que os inicialmente estudados, contribuiu para a comprovação definitiva da existência dos quasicristais, utilizados hoje no desenvolvimento de materiais que vão de aços inoxidáveis mais resistentes a isolantes elétricos e térmicos.

Os resultados da pesquisa de 1987 foram apresentados em um congresso internacional de cristalografia, no mesmo ano na Austrália. Em função disso, foi criada uma comissão científica para avaliar os quasicristais. Finalmente, em 1992, a União Internacional de Cristalografia mudou a definição de cristal para incluir os quasicristais.

“Por muito tempo, ordem era sinônimo de periodicidade. Hoje, sabemos que a ordem pode ser periódica ou quase periódica”, disse Shechtman.

O cientista israelense conta que os quasicristais só foram descobertos em 1982 porque até então não havia sido desenvolvido o microscópio eletrônico de transmissão, que permite estudar as estruturas dos materiais com maior nível de detalhe.

“Muitos pesquisadores só usam esse tipo de microscópio como uma espécie de lupa, para obter imagens maravilhosas, mas é preciso ser um perito no uso dessa técnica para explorar toda sua potencialidade”, disse Shechtman, dirigindo-se a uma plateia de estudantes e pesquisadores que lotaram o auditório na Universidade Federal do Maranhão onde foi realizada sua conferência.

Investimento em ciência

Em sua segunda visita ao Brasil, como parte de uma missão organizada pelo Ministério das Relações Exteriores de Israel, Shechtman disse ter ficado impressionado com a qualidade da ciência que vem sendo realizada no Brasil.

“Um país com uma biodiversidade tão grande deve realizar, principalmente no âmbito da Amazônia, grandes investimentos em ciências biológicas para realização de pesquisas integradas com pesquisadores da área de química, por exemplo”, disse.

Shechtman é o segundo israelense a ganhar o prêmio Nobel de Química em um intervalo de apenas dois anos e o quarto em uma década. Em 2009, Ada Yonath também recebeu o prêmio, juntamente com Venkatraman Ramakrishnan e Thomas Steitz, por pesquisas sobre a estrutura do ribossoma, também na área de cristalografia.

“Isso se deve aos investimentos que estão sendo feitos em Israel em todas as áreas da ciência”, disse Shechtman à Agência FAPESP, ao ser perguntado por que o país está se tornando um celeiro de prêmios Nobel.

Shechtman também contou que realiza em Haifa um projeto de educação de ciências, voltado para crianças ainda no jardim da infância, em que são realizados experimentos científicos, juntamente com os professores e os pais, visando estimular desde cedo o interesse e o engajamento científico.
 

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