Pesquisas sobre a biodiversidade do ecossistema localizado no litoral norte de São Paulo foram apresentadas em workshop na FAPESP (Foto: Baía do Araçá/Eduardo Cesar/Revista Pesquisa FAPESP)

O conhecimento científico emerge da Baía do Araçá
02 de dezembro de 2016

Pesquisas sobre a biodiversidade do ecossistema localizado no litoral norte de São Paulo foram apresentadas em workshop na FAPESP

O conhecimento científico emerge da Baía do Araçá

Pesquisas sobre a biodiversidade do ecossistema localizado no litoral norte de São Paulo foram apresentadas em workshop na FAPESP

02 de dezembro de 2016

Pesquisas sobre a biodiversidade do ecossistema localizado no litoral norte de São Paulo foram apresentadas em workshop na FAPESP (Foto: Baía do Araçá/Eduardo Cesar/Revista Pesquisa FAPESP)

 

Diego Freire | Agência FAPESP – A Baía do Araçá, pequena enseada no litoral norte do Estado de São Paulo, é lar de 1.368 espécies identificadas e estudadas por 170 pesquisadores de diversas instituições paulistas. O conhecimento acumulado pelos cientistas tem ajudado a preservar o ecossistema, constantemente exposto à ação humana pela proximidade da malha urbana, e foi apresentado à comunidade científica em workshop realizado pela FAPESP entre os dias 16 e 18 de novembro, em São Paulo (SP).

O grupo de pesquisadores integra o Projeto Temático Biodiversidade e Funcionamento de um Ecossistema Costeiro Subtropical: Subsídios para uma Gestão Integrada, desenvolvido no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA). O objetivo do workshop, de acordo com a coordenação do evento, foi discutir a integração do conhecimento gerado pelo projeto e propor metas para o monitoramento e a gestão da baía, que abriga um dos últimos remanescentes de manguezal do litoral paulista e abrange praias, bosques, uma planície, duas ilhas e imensa biodiversidade.

“Todo esse conjunto de ambientes envolve relações físicas, biológicas, geológicas e antrópicas que se estabelecem entre o continente e o oceano e que vêm sofrendo pressões de diferentes origens, comprometendo serviços ambientais e prejudicando a qualidade de vida da população que depende direta ou indiretamente de seus recursos. O gerenciamento costeiro tem como meta integrar interesses econômicos, sociais e ambientais de forma sustentável para a região”, explicou Antonia Cecília Zacagnini Amaral, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e pesquisadora principal do Temático.

Entre as ameaças à sustentabilidade do ecossistema estão os detritos despejados no Araçá por meio do córrego Mãe Isabel, que prejudicam organismos de importância ecológica, como algumas espécies de poliquetas, classe de anelídeo que inclui cerca de 8 mil espécies de vermes aquáticos. Os poliquetas são importantes na avaliação da saúde do mar, dos estuários e das lagoas costeiras não só pela sua abundância nesses ecossistemas, mas também pelas suas respostas aos diferentes tipos de poluição.

Pequenos notáveis

Os poliquetas integram a comunidade bentônica do Araçá, grupo de organismos que vivem em costões rochosos, manguezais e entre grãos de areia. Os pesquisadores do BIOTA encontraram 56 espécies bentônicas na baía. Parte dessa diversidade bentônica foi apresentada no workshop por Gustavo Muniz Dias, do Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH) da Universidade Federal do ABC (UFABC).

“As características ambientais da Baía do Araçá possuem uma variação grande ao longo da região entremarés (a parte do litoral que fica exposta apenas durante a maré baixa, submergindo com a subida da maré), do sublitoral interno (baía) e do externo (Canal de São Sebastião). São variações de tipos de sedimento, de teor de carbono orgânico e de salinidade, e o gradiente de profundidade entre o sublitoral interno e o externo também é responsável por aumentar a diversidade de ambientes”, conta o pesquisador.

Para caracterizar a dinâmica dos habitats bentônicos da Baía do Araçá, os pesquisadores coletaram sedimentos de 37 pontos amostrais em outubro de 2012 e em fevereiro, junho e setembro de 2013. Foram registradas 195 espécies de nematoides, vermes que possuem o corpo em formato cilíndrico, e 157 espécies da macrofauna, que possuem tamanho maior ou igual a 0,5 mm e podem ser vistos a olho nu – como os crustáceos e moluscos. Também foram caracterizados os habitats desses organismos.

“A identificação desses habitats é importante para caracterizar a alta diversidade do Araçá e para que as espécies selecionadas sejam utilizadas para fins de monitoramento. Uma vez que se conhece sua relação com as variáveis de cada ambiente, as alterações nas dinâmicas dessas espécies podem indicar mudanças nas características da baía em decorrência de processos e eventos naturais ou antrópicos”, explicou Dias.

Sob a sombra do porto

Outro impacto da ação antrópica na região seria o sombreamento artificial provocado pela eventual ampliação do Porto de São Sebastião, cujo plano prevê a construção de uma estrutura suspensa por pilares que cobriria 75% da Baía do Araçá. O efeito da ausência de luz solar nas comunidades de bentos também foi avaliado pelos pesquisadores.

Para isso, foram analisadas as dinâmicas de comunidades que vivem em margens rochosas subtropicais de áreas sombreadas por construções humanas em diferentes pontos do litoral paulista. Os dados foram comparados com os de áreas adjacentes não sombreadas, contemplando a avaliação da diversidade e da abundância da comunidade macrobentônica, a biomassa do seu biofilme e as macroalgas, além do tamanho corpóreo. Em seguida, foi desenvolvido um experimento de campo no qual áreas foram sombreadas artificialmente e acompanhadas durante 36 semanas.

De acordo com os resultados, o sombreamento afetou consistentemente a comunidade biológica de costas rochosas. A biomassa, a cobertura de macroalgas e o tamanho da maioria dos organismos foram menores em habitats sombreado e a manipulação experimental do sombreamento levou à perda total das macroalgas em 220 dias.

“Estudos de sombreamento artificial têm sido mal explorados a partir da perspectiva do impacto ambiental. Trata-se de um fenômeno que afeta tanto a produtividade quanto a organização desses organismos, como demonstrado pela pesquisa ao avaliarmos os padrões e processos que regulam a biodiversidade em costas rochosas, com consequências para o funcionamento do ecossistema costeiro. O sombreamento por estruturas artificiais como as propostas na expansão portuária em São Sebastião é potencialmente subestimado. Ressaltamos a importância de avaliações cuidadosas para promover o desenvolvimento sustentável do litoral”, contou Gustavo Muniz Dias.

De bentos a baleias

A rica diversidade de espécies da coluna d’água do Araçá inclui, também, os cetáceos, infraordem de animais marinhos pertencentes à classe dos mamíferos.

Quando estão à procura de alimento ou em contato com indivíduos da mesma espécie, os cetáceos utilizam um sistema de comunicação próprio cuja frequência se confunde com a de sons gerados pela ação humana, como nas operações dos navios. Esses ruídos podem causar desorientação nos animais. Os pesquisadores do BIOTA observaram que a atividade naval na região produz ruídos num nível de volume capaz de mascarar sons emitidos pelos cetáceos que passam pelo Canal de São Sebastião.

Com o objetivo de avaliar a ocorrência desses animais no canal, os pesquisadores utilizaram um equipamento de monitoramento acústico passivo (MAP) nas proximidades da Baía do Araçá, ao lado da Laje dos Meninos. Gravações acústicas foram realizadas entre os meses de maio e novembro de 2015, no inverno e na primavera, em períodos de dois minutos a cada cinco minutos.

A análise dos espectrogramas revelou a ocorrência de quatro espécies de cetáceos em 1.122 horas e 57 minutos de gravações acústicas realizadas em 124 dias. Durante a primavera, ocorreram dois eventos de detecção acústica de baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae), um de orca (Orcinus orca) e outro de uma espécie ainda não identificada. Já no inverno houve uma detecção acústica de boto-cinza (Sotalia guianensis). Os dados são inéditos na região.

Conhecimento integrado

Também foram apresentados no workshop resultados de análises com outros sistemas, como o planctônico, composto por algas microscópicas, protozoários, pequenos crustáceos e medusas, e o manguezal. Foram tratados, ainda, assuntos relacionados a hidrodinâmica, dinâmica sedimentar, interações tróficas, diagnóstico pesqueiro, identificação e valoração dos serviços ecossistêmicos, gestão integrada, modelagem ecológica e gerenciamento e compartilhamento de dados.

“A integração das pesquisas é fundamental para que se entenda como uma região costeira funciona em termos sistêmicos, considerando processos físicos, biológicos e sociais, como circulação, transporte de sedimentos, interações tróficas, fluxos de matéria e energia, produção e dinâmica pesqueira, entre outros temas. Trata-se de uma iniciativa de integração de diferentes áreas do conhecimento, pesquisadores e instituições de ensino e pesquisa, estratégica para a formação de recursos humanos, produção de conhecimento e ampliação da competência do Estado de São Paulo para estudos em biodiversidade, conservação e gestão marinha”, destacou Amaral.

Os pesquisadores também caracterizaram os serviços ambientais prestados pela Baía do Araçá, incluindo econômicos e não econômicos, diretos e indiretos, com destaque para aqueles derivados da biodiversidade marinha. Para Amaral, “o trabalho científico na Baía do Araçá pode ser adotado como modelo de estudo para outras regiões”.

Mais informações sobre o workshop em www.fapesp.br/10455.

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