Pesquisadores discutem caminhos e desafios da divulgação científica durante o I Seminário Internacional Scientific American Brasil (esq.p/dir.: Michael Shermer, colunista da Scientific American; Walter Alves Neves, do IB-USP; o mediador da mesa Pablo Nogueira, editor da Scientific American Brasil; e Paulo Artaxo, do IF-USP / foto: Noêmia Lopes)

Como divulgar a ciência em tempos difíceis
06 de outubro de 2017

Pesquisadores discutem caminhos e desafios da divulgação científica durante o I Seminário Internacional Scientific American Brasil

Como divulgar a ciência em tempos difíceis

Pesquisadores discutem caminhos e desafios da divulgação científica durante o I Seminário Internacional Scientific American Brasil

06 de outubro de 2017

Pesquisadores discutem caminhos e desafios da divulgação científica durante o I Seminário Internacional Scientific American Brasil (esq.p/dir.: Michael Shermer, colunista da Scientific American; Walter Alves Neves, do IB-USP; o mediador da mesa Pablo Nogueira, editor da Scientific American Brasil; e Paulo Artaxo, do IF-USP / foto: Noêmia Lopes)

 

Noêmia Lopes  |  Agência FAPESP – Contrariando o consenso científico, certos grupos questionam a eficácia das vacinas, a existência das mudanças climáticas, a validade da teoria da evolução. A lei da gravitação universal de Newton, para os chamados terraplanistas, é uma falácia. Nenhum desses discursos é novo. O que tem causado espanto é o seu recrudescimento, aliado ao poder de dispersão das redes sociais e, por vezes, ao apoio de grupos fortes econômica e politicamente.

Implicações desse cenário e o papel da divulgação científica na construção de uma sociedade informada e democrática foram discutidos durante o I Seminário Internacional Scientific American Brasil, realizado no dia 3 de outubro, em São Paulo.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), defendeu a importância de pesquisadores e jornalistas não se calarem diante dos ataques à ciência.

“É preciso confrontá-los, mas a questão é como fazer isso. Muitas reportagens se ocupam apenas de apresentar argumentos negacionistas. Sem posicionamento crítico, elas acabam prestando um desserviço à ciência e reforçando ainda mais o negacionismo”, disse.

Especificamente sobre mudanças climáticas, Artaxo elencou uma série de tensões que precisam ser melhor consideradas: na área energética, entre a indústria de combustíveis fósseis e a de renováveis; desta para a área política – em particular, a norte-americana –, com a extinção de programas voltados ao estudo das alterações no clima global; chegando às relações internacionais, com os Estados Unidos perdendo terreno para a China em termos de ações voltadas a um futuro mais sustentável.

“Enquanto isso, no Brasil, há um movimento anticientífico muito forte em andamento, de desmonte de universidades e institutos de pesquisa estaduais e federais”, disse Artaxo. Ele defende que não se trata de uma questão de disponibilidade orçamentária, mas de mudança de paradigma: troca-se avanços no conhecimento científico por investimentos no setor financeiro.

“2018 será um ano extremamente difícil para a ciência, mais ainda do que 2017. Precisamos nos preparar e continuar esse tipo de mobilização – ou seja, discutir como chegar melhor à mídia para que o pensamento científico prevaleça”, disse Artaxo.

Outra tensão bastante comentada no evento foi a que se dá entre ciência e religião. Ao falar sobre os embates mais recentes entre evolucionismo e criacionismo, Walter Alves Neves, professor titular do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da USP, afirmou que a decisão por um dos lados desse espectro ou a de conciliá-los é de foro íntimo.

“Ela deve, porém, ser tomada de maneira informada. Nesse sentido, é papel do Estado colocar à disposição da sociedade, tão frequentemente quanto possível, o que a ciência tem a oferecer sobre o assunto. Não cabe a ele, o Estado, tomar essa decisão pelas pessoas, assim como não cabe aos acadêmicos”, disse.

O cenário se complica, segundo Neves, pois muito pouco tem sido feito para oferecer à população informações sobre a teoria da evolução. “Quantas exposições museográficas há no Brasil sobre evolução humana? Eu conheço apenas uma. E por que em São Paulo não há um museu de História Natural? Toda grande cidade do mundo tem um”, disse.

Em sua fala, Neves fez ainda um relato sobre a relação muitas vezes paradoxal entre religiosidade e evidências científicas. “Durante escavações arqueológicas na Jordânia, em uma pesquisa realizada com apoio da FAPESP, trabalhamos com chechenos muçulmanos. Ao mesmo tempo em que nos ajudavam a encontrar ferramentas de pedra lascada, eles diziam ‘gostamos muito de trabalhar com vocês, mas não venham com essa conversa de evolução humana’.”

Em outro ponto do globo, como pesquisador líder do Programa Antártico Brasileiro e vice-presidente do Comitê Internacional de Pesquisa Antártica, Jerfferson Cardia Simões lida com os embates entre ciência e teorias conspiratórias. “Todos os dias recebo perguntas sobre avistamento de OVNIs ou esconderijos para missões secretas”, disse.

Simões, que também é professor de Geografia e Glaciologia Polar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, credita os questionamentos a uma má compreensão sobre o papel do cientista na sociedade, compreensão essa que poderia ser favorecida via atuação dos próprios pesquisadores. “Apesar do grande avanço dos últimos anos, muitos colegas e professores universitários ainda não entendem que o papel do cientista também é de divulgador e formador de opinião.”

Como proposições, Simões citou alçar a divulgação científica a uma posição de maior valor acadêmico, a utilização de meios e técnicas de comunicação contemporânea e digital, a manutenção de redes de relacionamento que extrapolem os corredores das universidades, uma atitude proativa junto ao poder político e mesmo treinamento para engajar-se com o público de maneira mais efetiva. “Nosso protagonismo deve ser intencional. Não adianta pregar para nós mesmos, presos ao autoelogio”, disse. Helena Nader, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sugeriu, nessa linha, que cada pesquisador dedicasse ao menos algumas horas no ano à divulgação da ciência, especialmente entre alunos e professores da educação básica. “O maior problema do Brasil é a educação e os cientistas e professores universitários têm obrigação de ajudar a reverter esse quadro”, afirmou.

A abertura do evento foi feita pelo presidente da FAPESP, José Goldemberg, que ressaltou a relevância da imprensa que se dedica à ciência. “A Scientific American é um veículo de divulgação importante. Vim aqui especificamente para demonstrar o quanto a FAPESP está interessada nesse tipo de atividade”, disse.

Atenção ao processo

Os esforços contra o irracionalismo e o negacionismo de evidências científicas também devem incluir, segundo os palestrantes, a comunicação do processo das pesquisas – não somente seus resultados. Fernando Reinach, biólogo e colunista do jornal O Estado de S.Paulo, destacou que esse cuidado é essencial na distinção dos fatos comprovados cientificamente dos demais.

“Quando a cura de uma doença é anunciada, todo mundo fica espantado com a beleza da ciência. Mas, ao falar somente sobre o resultado, a notícia compete diretamente com afirmações do tipo ‘o mundo foi criado há 6 mil anos’. Qual é a diferença entre as duas coisas? Do ponto de vista muitas vezes adotado na imprensa, elas parecem receber o mesmo valor, são fatos relatados”, disse.

O diferencial, segundo Reinach, está na descrição dos experimentos, investigações, observações. “Você pode ficar fascinado em saber que as formigas contam os passos que dão. Mas acho ainda mais fascinante como alguém consegue descobrir que uma formiga conta os passos que dá”, disse.

Jornalistas e divulgadores de ciência, participando de mesas no período da tarde do evento, concordaram com a atenção que se deve dedicar ao desenvolvimento das pesquisas. Compuseram o grupo Alexandra Ozorio de Almeida, diretora de redação da revista Pesquisa FAPESP (publicação que apoiou institucionalmente a realização do seminário); Monica Teixeira, coordenadora do Núcleo de Divulgação Científica da USP; Álvaro Pereira Jr., chefe de redação do Fantástico; Herton Escobar, jornalista de O Estado de S.Paulo e coorganizador do USP Talks; Pirula, biólogo e youtuber; e Natália Pasternak, coordenadora do Pint of Science Brasil, festival de ciência, também apoiador do seminário.

O evento ainda homenageou Julio Abramczyk como personalidade da divulgação científica. Médico, formado pela Unifesp e parte do corpo clínico do Hospital Santa Catarina, Abramczyk escreve na Folha de S.Paulo há quase 58 anos. “Dr. Julio é um pioneiro, um expoente da divulgação científica, do jornalismo e da Medicina”, disse Carlos Eduardo Lins da Silva, consultor em Comunicação da FAPESP, ao anunciar a homenagem.

Outras participações foram Michael Shermer, colunista da Scientific American dos Estados Unidos e editor da Skeptic Magazine, e Adriana Brondani, diretora executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia.
 

  Republicar
 

Republicar

A Agência FAPESP licencia notícias via Creative Commons (CC-BY-NC-ND) para que possam ser republicadas gratuitamente e de forma simples por outros veículos digitais ou impressos. A Agência FAPESP deve ser creditada como a fonte do conteúdo que está sendo republicado e o nome do repórter (quando houver) deve ser atribuído. O uso do botão HMTL abaixo permite o atendimento a essas normas, detalhadas na Política de Republicação Digital FAPESP.