Estudo feito por pesquisadores da USP conclui que ganho financeiro relativo dos municípios cai à medida que o número de unidades de conservação aumenta. Além disso, o sistema fiscal estimula principalmente a implantação de Áreas de Proteção Ambiental, que têm menos restrições ao uso da terra (área preservada de Mata Atlântica; foto: Jean Paul Metzger/USP)

ICMS ambiental incentiva a criação de áreas protegidas na Mata Atlântica, mas o impacto é limitado
29 de outubro de 2021
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Estudo feito por pesquisadores da USP conclui que ganho financeiro relativo dos municípios cai à medida que o número de unidades de conservação aumenta. Além disso, o sistema fiscal estimula principalmente a implantação de Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que têm menos restrições ao uso da terra

ICMS ambiental incentiva a criação de áreas protegidas na Mata Atlântica, mas o impacto é limitado

Estudo feito por pesquisadores da USP conclui que ganho financeiro relativo dos municípios cai à medida que o número de unidades de conservação aumenta. Além disso, o sistema fiscal estimula principalmente a implantação de Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que têm menos restrições ao uso da terra

29 de outubro de 2021
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Estudo feito por pesquisadores da USP conclui que ganho financeiro relativo dos municípios cai à medida que o número de unidades de conservação aumenta. Além disso, o sistema fiscal estimula principalmente a implantação de Áreas de Proteção Ambiental, que têm menos restrições ao uso da terra (área preservada de Mata Atlântica; foto: Jean Paul Metzger/USP)

 

Luciana Constantino | Agência FAPESP – Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-26, um estudo da Universidade de São Paulo (USP) destrincha um sistema de incentivo tributário criado no Brasil visando áreas de proteção ambiental: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços Ecológico, o ICMS-E.

Em artigo publicado na revista científica Ecological Economics, os autores apontam que o ICMS-E tem estimulado a criação de reservas ambientais em áreas de Mata Atlântica nos últimos anos, mas o impacto pode ser menor do que o esperado.

Isso porque a maior parte das novas unidades está na categoria de Áreas de Proteção Ambiental (APAs), que impõem menos restrições ao uso da terra. As APAs também têm percentual menor de repasse pela legislação. O efeito do ICMS-E na criação de APAs é quase sete vezes maior do que para outros tipos de reservas, como as de proteção integral.

Os pesquisadores apontam que o sistema é autolimitado. Ou seja, dificilmente haverá um crescimento maior de unidades de conservação no futuro com a fórmula aplicada atualmente porque o incentivo fiscal diminui à medida que aumenta a quantidade de áreas protegidas. Com isso, os ganhos acabam não compensando a oportunidade de custo que poderia haver em determinado território se ele fosse destinado a outras atividades econômicas.

A pesquisa concluiu ainda que os governos estaduais e municipais respondem de forma diferente ao incentivo do ICMS-E. Enquanto os primeiros têm foco no benefício ambiental, os municípios visam aumentar sua arrecadação. Isso também ajuda a explicar o maior número de APAs, uma vez que os governos municipais podem ter ganhos mesmo quando optam por essas unidades, com custos menores.

Para quantificar o impacto do sistema fiscal na criação de áreas protegidas, os pesquisadores usaram um conjunto de dados municipais combinados a informações sobre a criação dessas zonas e a implementação do ICMS-E. Foram analisados 1.467 municípios em seis Estados brasileiros na região da Mata Atlântica entre 1987 e 2016. O artigo não destrincha casos específicos de cada uma das cidades avaliadas.

“O trabalho compara municípios que receberam o ICMS-E com outros que não receberam, analisando as diferenças entre esses grupos antes e depois de haver incentivo, em um experimento com dados observacionais, aplicando metodologia cuja relevância acabou de ser reconhecida no Prêmio Nobel de Economia de 2021”, diz Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências da USP e coautor do estudo.

“Um dos principais resultados foi mostrar que a resposta dos agentes administrativos é diferente, e isso faz sentido. Os Estados não se beneficiam financeiramente, já que são os repassadores dos recursos. Os seus ganhos são políticos, com avanços em suas metas ambientais. Já os municípios têm clara preferência por criar unidades menos custosas e pouco restritivas, como as APAs, porque não precisam alterar muito o uso do solo e, ao mesmo tempo, recebem verba”, resume a primeira autora do artigo, Patricia Ruggiero, da USP.

O trabalho faz parte do Programa BIOTA-FAPESP e teve a orientação de Metzger, membro do comitê de coordenação do programa.

Recebeu apoio da FAPESP por meio de quatro projetos (13/23457-6, 15/16587-617/20245- 9 e 14/11676-8). Também contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da National Science Foundation (Estados Unidos).

Para os pesquisadores, a fórmula de benefício para os municípios acaba gerando uma espécie de “corrida”, em que as administrações locais criam rapidamente as APAs em função da flexibilidade (não precisam, por exemplo, fazer desapropriações de terra) e conseguem receita extra.

Como as decisões políticas influenciam resultados eleitorais, uma gestão pode garantir fluxo de receitas com a criação de unidades de conservação antes das eleições. Esses recursos podem ser gastos em qualquer setor determinado pela administração local (saúde, infraestrutura etc.), não estando vinculados ao meio ambiente.

Em outro artigo divulgado na revista Conservation Letters, o grupo do qual Ruggiero faz parte já havia revelado que o desmatamento da Mata Atlântica aumentou em anos de eleições.

A análise mostrou que 3.652 hectares de Mata Atlântica, em média, foram desmatados a mais nos anos de eleição federal e estadual quando comparados aos sem pleito na região estudada entre 1991 e 2014. Já em eleições municipais, o crescimento médio foi de 4.409 hectares devastados. O trabalho correlacionou dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do projeto MapBiomas – que mapeia anualmente a cobertura e o uso do solo do Brasil, monitorando mudanças do território – em 2.253 municípios das regiões Sul e Sudeste (leia mais em agencia.fapesp.br/36244/).

Como funciona

O ICMS-E redistribui as receitas fiscais para compensar municípios por serem sedes de áreas de proteção ambiental, semelhante à motivação para pagamentos por serviços ecossistêmicos. Com isso, os governos estaduais transferem dinheiro para as administrações locais com o objetivo de compensar, por exemplo, custos com conservação da biodiversidade, para melhorar a qualidade ambiental e reduzir perdas de serviços ecossistêmicos.

O sistema tributário surgiu de uma possibilidade aberta na Constituição Federal (artigo 158, inciso IV) que permite aos Estados definir em legislação específica alguns dos critérios para o repasse de recursos do ICMS a que os municípios têm direito.

O Brasil foi o primeiro a adotar esse sistema de compensação (surgiu em 1991 no Estado do Paraná), seguido por Portugal, França, China e Índia, que inovou ao basear a redistribuição de receita pela cobertura florestal e aplicar a regra para todo o país. Outros países europeus, como Alemanha e Polônia, têm propostas semelhantes, mas ainda não implantadas.

O financiamento por parte de países desenvolvidos para combater e se adaptar às mudanças climáticas, além de formas de compensação para mitigar esses efeitos, estão entre os temas que serão discutidos na COP-26, prevista para ser realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro.

Sigla para Conferência das Partes, a COP é um encontro que reúne 197 nações para discutir as mudanças climáticas e como combatê-las. Faz parte da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (um acordo internacional assinado por praticamente todos os países e territórios no mundo com o objetivo de reduzir o impacto da atividade humana no clima).

Adequação

No Estado de São Paulo, o ICMS-E passou por alterações e uma nova legislação foi sancionada no primeiro semestre deste ano. Pela nova lei (nº 17.348), o percentual do ICMS destinado aos municípios nas parcelas relativas ao meio ambiente passou de 1% para 2%.

A estimativa é que sejam transferidos mais de R$ 5 bilhões ao longo dos próximos dez anos aos municípios. Estão previstos repasses para duas frentes: 1) preservação (1%), sendo metade para áreas protegidas e a outra para cidades com reservatórios destinados à geração de energia e ao abastecimento de água, e 2) desempenho ambiental (1%), que inclui gestão de resíduos sólidos e conservação e restauração da biodiversidade.

“Em conservação estamos cientes de que não existe uma ‘bala de prata’, uma estratégia única para resolver todos os problemas. É preciso combinar as ferramentas e aí é possível somar ganhos, encontrar sinergias e obter os melhores resultados. É preciso trabalhar com vários acordos. O ICMS-E é uma ferramenta importante, mas não podemos achar que resolverá os problemas ambientais sozinha”, afirma Ruggiero à Agência FAPESP.

O artigo The Brazilian intergovernmental fiscal transfer for conservation: A successful but self-limiting incentive program, dos pesquisadores Patricia Ruggiero, Alexander Pfaff, Paulo Pereda, Elizabeth Nichols e Jean Paul Metzger, pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0921800921002780?dgcid=author#!.
 

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