Floração ultrarrápida da Bulbostylis paradoxa, erva perene conhecida popularmente como cabelo-de-índio, é prova da incrível resiliência do Cerrado e de sua capacidade de conviver com o fogo (foto: Alessandra Fidelis/arquivo pessoal)

Identificada planta que floresce no Cerrado apenas um dia depois de queimada
26 de março de 2019
ES

Floração ultrarrápida da Bulbostylis paradoxa, erva perene conhecida popularmente como cabelo-de-índio, é prova da incrível resiliência do Cerrado e de sua capacidade de conviver com o fogo

Identificada planta que floresce no Cerrado apenas um dia depois de queimada

Floração ultrarrápida da Bulbostylis paradoxa, erva perene conhecida popularmente como cabelo-de-índio, é prova da incrível resiliência do Cerrado e de sua capacidade de conviver com o fogo

26 de março de 2019
ES

Floração ultrarrápida da Bulbostylis paradoxa, erva perene conhecida popularmente como cabelo-de-índio, é prova da incrível resiliência do Cerrado e de sua capacidade de conviver com o fogo (foto: Alessandra Fidelis/arquivo pessoal)

 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – As plantas do Cerrado evoluíram na presença do fogo. E, quando usado com inteligência, como método de manejo criterioso, o fogo é fator indispensável para a preservação desse formidável ecossistema, que constitui a mais biodiversa savana do mundo. Bastam dois meses para que o Cerrado queimado se transforme em um jardim exuberante (leia mais em agencia.fapesp.br/25865agencia.fapesp.br/26325).

O estudo From ashes to flowers: a savanna sedge initiates flowers 24 hours after fire, publicado na revista Ecology nesta segunda-feira (25/03), confirmou essa teoria. O artigo enfocou uma espécie vegetal que inicia sua floração apenas 24 horas após a queima.

“Trata-se da Bulbostylis paradoxa, uma erva perene da família Cyperaceae, conhecida popularmente como cabelo-de-índio”, disse a primeira autora do artigo, Alessandra Fidelis, à Agência FAPESP.

Fidelis é professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Rio Claro, e investigou o assunto com apoio da FAPESP no âmbito do projeto “Como a época do fogo afeta a vegetação do Cerrado”.

O Cerrado é uma savana peculiar. E sua capacidade de rebrotar e florescer depois de queimada é um importante diferencial em relação às savanas africanas e australianas. Isso já havia sido relatado, desde o século 19 e início do 20, por naturalistas que visitaram o Brasil, como o francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) e o dinamarquês Eugenius Warming (1841-1924). E, mais tarde, foi tema da tese de livre-docência do professor Leopoldo Magno Coutinho (1934-2016), da Universidade de São Paulo (USP). A própria Fidelis vem estudando essa regeneração pós-fogo do Cerrado desde 2009, mas o que chamou sua atenção, e constitui o ineditismo do artigo em pauta, é a rapidez com que a Bulbostylis paradoxa floresce. “É o único evento desse tipo descrito até o momento no mundo”, disse.

Bulbostylis paradoxa é uma planta amplamente difundida na América do Sul, desde a Venezuela até o sul do continente. E só floresce em escala significativa após o fogo. “Em nossos experimentos com queima criteriosa como prática de manejo, verificamos que as plantas dessa espécie, reduzidas pelo fogo à condição de tocos carbonizados, começam a apresentar pontinhos brancos 24 horas depois de queimadas. Esses pontinhos são as inflorescências despontando. Em pouco mais de uma semana, as flores se encontram completamente formadas e aptas à polinização. A rapidez da resposta constitui uma grande vantagem para a planta, porque possibilita que ela floresça, frutifique e disperse suas sementes por meio do vento em um espaço livre, com o solo descoberto, sem barreiras nem competidores. Apenas 40 dias depois do fogo já é muito difícil encontrar sementes, porque elas se disseminaram”, contou Fidelis.

De maneira geral, a grande oferta de sementes após a queima do Cerrado constitui um importante recurso para animais predadores, como formigas ou aves. A rebrota também oferece folhas mais tenras e palatáveis para mamíferos de grande porte, como veados e bois. O grande problema em relação ao fogo são os incêndios criminosos ou mesmo incêndios espontâneos que acabam assumindo proporções desastrosas devido ao acúmulo de material combustível depois de anos sem queima adequada.

“O Cerrado evoluiu com o fogo. Por isso, sua vegetação se regenera facilmente, inclusive com a manifestação de espécies que antes não ocorriam em determinadas áreas. A fauna, porém, pode sofrer perdas, pois muitos animais ficam presos nos incêndios. E, em relação à flora, é preciso lembrar que, no meio da vegetação do Cerrado, existem matas de galeria, matas de vale e veredas. Nesse caso, algumas espécies sensíveis ao fogo podem não se recuperar após os grandes incêndios. Por isso, é preciso haver um manejo criterioso do fogo. A queima preventiva, nas épocas certas, com zoneamento da área total e rodízio das parcelas a serem queimadas, constitui a melhor defesa contra os incêndios desastrosos”, explicou Fidelis.

A expansão da fronteira agrícola, com monoculturas em grande escala e uso intensivo de maquinário e herbicidas, que deixam o solo completamente limpo e sujeito à ação de plantas invasoras como braquiária e capim-gordura, constitui atualmente a maior ameaça à sobrevivência do Cerrado. A segunda principal ameaça é o uso inadequado do fogo. Conjugados, esses dois fatores põem em risco a manutenção de todo o ecossistema. Alguns dos mais importantes rios do Brasil nascem no Cerrado. Entre eles, o Xingu, o Tocantins, o Araguaia, o São Francisco, o Parnaíba, o Gurupi, o Jequitinhonha, o Paraná e o Paraguai. Além da irreparável perda de biodiversidade, a destruição do Cerrado compromete as bacias desses rios, com seu formidável aporte de água doce e potencial hidrelétrico.

Além de Fidelis, participaram do estudo Patrícia Rosalem, Vagner Zanzarini, Liliane Santos de Camargos e Aline Redondo Martins – todos da Unesp.

O artigo From ashes to flowers: a savanna sedge initiates flowers 24 hours after fire pode ser lido em: https://esajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/ecy.2648.
 

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