RNA não codificante protege as células cancerosas e aumenta sua proliferação. Descoberta pode levar a tratamento para variedades resistentes da doença (imagem: Enilza Espreafico e Douglas Elias Santos)

Estudo identifica novas funções de molécula envolvida no melanoma
22 de março de 2019
EN ES

RNA não codificante protege as células cancerosas e aumenta sua proliferação. Descoberta pode levar a tratamento para variedades resistentes da doença

Estudo identifica novas funções de molécula envolvida no melanoma

RNA não codificante protege as células cancerosas e aumenta sua proliferação. Descoberta pode levar a tratamento para variedades resistentes da doença

22 de março de 2019
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RNA não codificante protege as células cancerosas e aumenta sua proliferação. Descoberta pode levar a tratamento para variedades resistentes da doença (imagem: Enilza Espreafico e Douglas Elias Santos)

 

André Julião  |  Agência FAPESP – Novos testes em animais e em células de melanoma em cultura mostraram que uma molécula conhecida como RMEL3, presente na maioria dos casos desse tipo agressivo de câncer de pele, tem função importante na sobrevivência e na proliferação do tumor. Os novos achados reforçam estudos anteriores, segundo os quais a inibição do RMEL3 pode ser uma nova opção de tratamento, auxiliando nos casos resistentes ao medicamento mais usado hoje.

Resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram divulgados em artigo publicado na revista Pigment Cell & Melanoma Research.

“Esse trabalho caracteriza o papel de um RNA longo não codificante [que não é traduzido em proteína], o RMEL3, na tumorigênese do melanoma. Observamos que, quando ele é introduzido em células não tumorais [que normalmente não o expressam], elas passam a sobreviver como se fossem células tumorais, isto é, dispensam estímulos dos fatores de crescimento do meio extracelular”, disse Enilza Espreafico, professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e coordenadora do estudo.

Em outro experimento, o grupo introduziu o RMEL3 em uma linhagem de células de melanoma que normalmente apresenta baixa expressão desse RNA. “Essas células passaram a proliferar mais em cultura e, quando implantadas em animais, geraram tumores que cresceram mais rápido que os tumores das células parentais [sem RMEL3]”, disse Espreafico.

O estudo teve a colaboração de pesquisadores da Harvard Medical School e da Universidade do Texas, ambas nos Estados Unidos, do Hospital do Câncer de Barretos, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (FCFAr-Unesp) e do Centro de Terapia Celular (CTC). Com sede no Hospital das Clínicas da FMRP-USP, o CTC é um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP.

De acordo com Espreafico, um dos medicamentos usados atualmente para o tratamento do melanoma é o vemurafenib, capaz de inibir diretamente as formas mutadas da proteína BRAF – presentes na maioria dos melanomas. No entanto, poucos pacientes se beneficiam desse tratamento no longo prazo devido à resistência desse tipo de câncer ao fármaco. “Podemos criar uma molécula para silenciar o RMEL3 e usá-la como um tratamento complementar. Essa abordagem talvez possa diminuir a resistência da célula tumoral”, disse.

Segundo a pesquisadora, o RMEL3 pode ser uma boa alternativa como alvo para medicamentos porque é um RNA muito específico do melanoma, não sendo encontrado em praticamente nenhum tecido saudável. Essa característica sugere que sua inibição não afeta outros tecidos e não causa efeitos sistêmicos importantes.

“Essa propriedade de ser expresso de modo tecido específico e câncer específico é observada para muitos RNAs longos não codificantes e os tornam excelentes alvos terapêuticos”, disse.

Pioneirismo

O estudo publicado na Pigment Cell & Melanoma Research é o terceiro trabalho conduzido pelo grupo de Ribeirão Preto sobre o papel do RMEL3 no melanoma. Espreafico identificou e deu nome a esse RNA em artigo publicado em 2010, depois de encontrar 29 candidatos, entre eles vários potenciais RNAs longos não codificantes com expressão restrita a células de melanoma.

Desses, três chamaram a atenção por estarem presentes tanto em linhagens celulares quanto em amostras de tumores de pacientes. A inibição do RMEL3 foi o que resultou em mais morte celular nas culturas de melanoma, tornando-o alvo preferencial das pesquisas.

No segundo estudo, de 2016, o grupo mostrou que a inibição do RNA pode reduzir em até 95% a viabilidade das células de melanoma em cultura, sendo que o mesmo tratamento não causa nenhum efeito em um tipo celular que não expressa RMEL3. A expressão da molécula em melanomas portadores da mutação BRAF mais frequente nesse tipo de câncer é normalmente alta e os dados indicaram que esse RNA não codificante exerce uma atividade regulatória sobre a própria proteína BRAF e sobre outras moléculas envolvidas no controle da proliferação e morte celular (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/23563).

No artigo atual, o grupo demonstra que o tratamento de células de melanoma portadoras de mutação no gene BRAF com o fármaco vemurafenib inibe a expressão do RMEL3. Isso indica, portanto, que a expressão desse RNA não codificante em melanoma não apenas se correlaciona com a presença da mutação no gene BRAF, mas é de fato dependente da hiperatividade da proteína BRAF mutada – central para a tumorigênese do melanoma.

“O RMEL3 deve desempenhar um papel importante nessa via, uma vez que a expressão provocada dessa molécula em células que normalmente não a expressam promove a proliferação e a sobrevivência celular mesmo em condições em que as células são privadas da presença de fatores de crescimento no meio de cultura”, explicou.

O grupo também analisou as sequências genômicas disponíveis para melanoma em dois grandes bancos de dados genéticos de câncer, o The Cancer Genome Atlas Network (TCGA) e o International Cancer Genome Consortium (ICGC).

Os dados indicam a ocorrência de uma alta frequência de mutações pontuais no gene RMEL3 em melanomas, o que sugere a influência da exposição à luz solar como causa das mutações. Além disso, o grupo estudou amostras de melanoma de 38 pacientes do Hospital do Câncer de Barretos, encontrando maior expressão de RMEL3 em melanomas que surgem em regiões da pele mais comumente expostas ao sol.

Testes in vivo

Para a realização dos testes em animais, um grupo de camundongos imunossuprimidos (para evitar a rejeição tecido humano) foi injetado subcutaneamente com células de melanoma previamente infectadas com um vetor viral que carregava o gene RMEL3. Já outro grupo controle recebeu células infectadas apenas com o vetor viral vazio (sem o RMEL3).

Os dois grupos de camundongos receberam a mesma quantidade de células malignas. Nos primeiros 15 dias, os tumores cresceram de modo relativamente semelhante. Depois, porém, os que tinham o RMEL3 começaram a aumentar em maior proporção. Ao fim do experimento, no 24º dia, já tinham um volume significativamente superior ao do grupo controle.

Na avaliação de Espreafico, os resultados são promissores e abrem caminho para se buscar uma molécula capaz de bloquear o RMEL3. Esse composto poderia, futuramente, se tornar um medicamento contra o melanoma, o tipo mais agressivo de câncer de pele. Atualmente, o grupo está trabalhando para definir os mecanismos moleculares de ação do RMEL3, um passo importante para o desenho de drogas e a proposição de testes clínicos.

O artigo The lncRNA RMEL3 protects immortalized cells from serum withdraw-induced growth arrest and promotes melanoma cell proliferation and tumor growth (doi: 10.1111/pcmr.12751), de Cibele Cardoso, Rodolfo B. Serafim, Akinori Kawakami, Cristiano Gonçalves Pereira, Jason Roszik, Valeria Valente, Vinicius L. Vazquez, David E. Fisher e Enilza M. Espreafico, pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/pcmr.12751.
 

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