Análises genômicas sugerem que reprodução assexuada é regra entre indivíduos da espécie Trichophyton rubrum. Pesquisadores destacam que tal fato deve ser considerado no desenvolvimento de novos fármacos (imagem: Peres e outros)

Grupo da USP investiga hábitos reprodutivos do fungo causador do pé de atleta
11 de julho de 2018
EN ES

Análises genômicas sugerem que reprodução assexuada é regra entre indivíduos da espécie Trichophyton rubrum. Pesquisadores destacam que tal fato deve ser considerado no desenvolvimento de novos fármacos

Grupo da USP investiga hábitos reprodutivos do fungo causador do pé de atleta

Análises genômicas sugerem que reprodução assexuada é regra entre indivíduos da espécie Trichophyton rubrum. Pesquisadores destacam que tal fato deve ser considerado no desenvolvimento de novos fármacos

11 de julho de 2018
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Análises genômicas sugerem que reprodução assexuada é regra entre indivíduos da espécie Trichophyton rubrum. Pesquisadores destacam que tal fato deve ser considerado no desenvolvimento de novos fármacos (imagem: Peres e outros)

 

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – Os hábitos sexuais do Trichophyton rubrum – fungo causador do pé de atleta e de outros tipos de micose de pele e de unha – são tema de uma pesquisa publicada por cientistas brasileiros e colaboradores de outros países na revista Genetics.

Resultados da investigação sugerem que a reprodução assexuada é a regra na espécie, ou seja, o acasalamento entre os indivíduos não é comum e, se eventualmente ocorre, requer condições muito específicas. Como consequência, a variabilidade genética da população é pequena – mesmo comparando exemplos de diferentes partes do mundo.

“Podemos concluir que se trata de uma população clonal, isto é, praticamente não existe cruzamento entre os indivíduos. Desse modo, são geradas poucas variações no genoma”, disse Gabriela Felix Persinoti, primeira autora do trabalho, realizado com Bolsa de Pós-Doutorado da FAPESP.

Como explica Nilce Martinez-Rossi, professora titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e supervisora da pesquisa, entender como esses fungos se reproduzem é um conhecimento de ciência básica, mas sem o qual não se consegue avançar em termos de pesquisa aplicada.

“A variabilidade genética é um fator a ser considerado, por exemplo, quando se está desenvolvendo uma nova droga, pois pode indicar o risco de o patógeno desenvolver resistência ao tratamento”, disse Martinez-Rossi.

Sabe-se que quanto maior é a variabilidade genética entre os indivíduos de uma determinada espécie, maior é a chance de eles se adaptarem e sobreviverem a situações adversas.

O trabalho de Persinoti integra uma das linhas de pesquisa coordenadas por Martinez-Rossi na USP, cujo objetivo é compreender como os fungos dermatófitos – capazes de causar infecções em pele, pelos e unhas de animais e de humanos – interagem com seus hospedeiros. A outra linha coordenada pela pesquisadora busca entender os mecanismos de resistência a fármacos desse mesmo grupo de microrganismos.

Segundo a professora, o T. rubrum é uma espécie de dermatófito que infecta exclusivamente humanos. Em geral, trata-se de uma infecção crônica e superficial, pois o fungo alimenta-se da queratina presente na pele e na unha. Causa desconforto, coceira e danos estruturais às unhas, acarretando uma diminuição na qualidade de vida dos indivíduos acometidos. Em raros casos, geralmente associados à baixa imunidade, a infecção pode se disseminar pelo organismo e se tornar uma ameaça à vida do paciente.

“Buscamos desvendar os mecanismos moleculares de patogenicidade desses dermatófitos, ou seja, entender como eles causam a infecção. Revelar as ‘armas’ que estes fungos utilizam durante o processo infeccioso auxilia no desenvolvimento de fármacos para combatê-los”, disse Martinez-Rossi, que coordena um Projeto Temático financiado pela FAPESP.

A investigação foi realizada por Persinoti no laboratório de Christina Cuomo, do Broad Institute – vinculado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) e à Harvard University, nos Estados Unidos –, durante estágio no exterior com apoio da FAPESP.

Análises genômicas

Como explicaram os autores no artigo, a espécie Trichophyton rubrum é um complexo que pode ser subdividido em diferentes morfotipos. São fungos muito parecidos, mas que apresentam pequenas variações de cor, de estrutura ou dos compostos produzidos.

Em uma primeira etapa da pesquisa, Persinoti e colaboradores analisaram a variabilidade genética de 100 morfotipos isolados em diversas partes do mundo com um método conhecido como Multi Locus Sequence Typing (MLST), que não avalia o genoma inteiro e sim alguns pontos-chave específicos.

“Para complementar a pesquisa, 12 isolados foram submetidos ao sequenciamento completo do genoma”, disse a pesquisadora.

A amostra analisada mais profundamente foi composta por 10 morfotipos de T.rubrum e outros dois isolados da espécie T. interdigitale, também capaz de infectar humanos (mas não exclusivamente) e para a qual ainda não havia nenhum genoma descrito.

Após o sequenciamento, o grupo se concentrou na análise de uma região do genoma conhecida como mating type (MAT, que em inglês significa tipos de acasalamento). Para que possa ocorrer o cruzamento entre indivíduos, eles precisam apresentar MATs complementares – um deles precisa ter o MAT do tipo 1 e, o outro, o MAT do tipo 2, por exemplo.

O acasalamento já foi observado em alguns dermatófitos em estudos de outros grupos, mas até hoje nunca foi observado em T. rubrum.

“Ao avaliarmos essa região do genoma, notamos que quase todos os morfotipos de T. rubrum apresentavam MAT do tipo 1. Somente um deles apresentava o tipo 2”, disse Persinoti.

Embora tenham tentado nos experimentos feitos em laboratório, os cientistas não conseguiram fazer o isolado com MAT do tipo 2 se reproduzir sexuadamente com outros indivíduos do tipo 1.

“Isso nos leva a concluir que, muito provavelmente, a reprodução sexuada nessa espécie não acontece. Ou, para acontecer, requer uma condição muito específica”, disse Persinoti.

A conclusão foi reforçada por análises complementares, segundo as quais o índice de similaridade no genoma dos indivíduos analisados se mostrou superior a 99%.

De acordo com a pesquisadora, porém, os genes necessários para a reprodução sexuada encontrados em outros dermatófitos ainda estão presentes no T. rubrum. Tal fato sugere que a transição para o modo de reprodução assexuada é um evento recente na espécie – possivelmente associado à especialização desse fungo em infectar humanos.

“Fizemos uma série de comparações filogenéticas entre os diferentes morfotipos e os resultados permitirão que seja feita uma delimitação mais correta das espécies. Um dos morfotipos, conhecido como soudanense, se mostrou divergente dos demais e pode vir a ser considerado uma espécie separada”, disse Persinoti.

O artigo Whole-Genome Analysis Illustrates Global Clonal Population Structure of the Ubiquitous Dermatophyte Pathogen Trichophyton rubrum, de Gabriela F. Persinoti, Nilce M. Martinez-Rossi, Diego A. Martinez e outros, pode ser lido em: www.genetics.org/content/208/4/1657.
 

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