Pesquisa feita na USP constata que paciente que foi imunizada e morreu dias depois com suspeita de reação adversa ao vírus atenuado da vacina já tinha sido infectada pelo vírus silvestre (foto: Eduardo Saraiva / A2img)

Paciente em São Paulo não morreu por reação à vacina da febre amarela, indica estudo
06 de março de 2018

Pesquisa feita na USP constata que paciente que foi imunizada e morreu dias depois com suspeita de reação adversa ao vírus atenuado da vacina já tinha sido infectada pelo vírus silvestre

Paciente em São Paulo não morreu por reação à vacina da febre amarela, indica estudo

Pesquisa feita na USP constata que paciente que foi imunizada e morreu dias depois com suspeita de reação adversa ao vírus atenuado da vacina já tinha sido infectada pelo vírus silvestre

06 de março de 2018

Pesquisa feita na USP constata que paciente que foi imunizada e morreu dias depois com suspeita de reação adversa ao vírus atenuado da vacina já tinha sido infectada pelo vírus silvestre (foto: Eduardo Saraiva / A2img)

 

Elton Alisson  |  Agência FAPESP – Um dos casos de suspeita de morte por reação adversa à vacina da febre amarela investigados no Estado de São Paulo acaba de ser descartado.

Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) constataram que uma paciente que foi imunizada e um dia após começou a apresentar sintomas da doença, morrendo 10 dias depois com suspeita de reação adversa ao vírus atenuado da vacina, já tinha sido infectada pelo vírus silvestre.

No caso, a vacina não teve tempo de agir e proteger contra a infecção, uma vez que leva ao menos 10 dias para montar uma resposta imunológica e combater o vírus. A autópsia foi realizada pelo Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (SVOC).

“Esse caso chegou a ser tratado na imprensa como uma morte causada por reação adversa à vacina e contribuiu para instaurar o temor na população em se vacinar. Mas, na realidade, se essa paciente tivesse se vacinado duas semanas antes estaria viva. Por isso, o maior risco que as pessoas estão correndo é o de não procurar a vacinação”, disse Paolo Zanotto, professor do ICB-USP e um dos pesquisadores que fizeram a constatação, à Agência FAPESP.

Por meio de projetos realizados com apoio da FAPESP, o grupo de pesquisadores do ICB-USP, coordenado por Zanotto, tem feito a confirmação do diagnóstico de mortes causadas por febre amarela em São Paulo em materiais de autópsias realizadas pelo SVOC. O trabalho é realizado em colaboração com o professor Amaro Nunes Duarte Neto e outros pesquisadores do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, liderados pelo professor Paulo Saldiva.

Os pesquisadores realizaram cerca de 60 autópsias de casos suspeitos de morte por febre amarela do total de 102 óbitos causados pela doença confirmados em São Paulo, de acordo com o último boletim da Secretaria Estadual da Saúde. Além disso, também avaliam quatro casos de suspeita de morte por reação adversa à vacina em São Paulo.

Também foi sequenciado o genoma do vírus de nove pacientes com morte confirmada por infecção pela febre amarela e de um dos dois casos em investigação de óbito por reação adversa à vacina.

“Estamos sequenciando o genoma dos vírus relacionados a esses casos para identificar quais as características genéticas e evolutiva dos vírus isolados em São Paulo, se apresentam mutações ou se são semelhantes ao que circulou em Minas Gerais no ano passado, por exemplo”, disse Marielton dos Passos Cunha, doutorando no ICB-USP com Bolsa da FAPESP, sob orientação de Zanotto.

Até então o grupo de pesquisadores do ICB-USP não tinha trabalhado com sequenciamento de genoma de vírus a partir de material de autópsia, pelo fato de que é muito difícil detectar e extrair RNA viral (material genético do vírus), porque é encontrado em um estado bastante degradado.

“Por essa razão, o critério que temos adotado para sequenciar o genoma de vírus da febre amarela a partir de material de autópsia é a quantidade de RNA viral que é possível detectar nas amostras”, explicou Cunha.

Maior casuística mundial

As autópsias dos casos diagnosticados com febre amarela ou com suspeita de morte por reação adversa à vacina que chegaram ao SVOC têm sido realizadas em um parque de equipamentos de ressonância magnética, tomografia computadorizada, ultrassom e raios X, construído por meio de um projeto apoiado pela FAPESP.

O parque de equipamentos de imagem, que abriga o primeiro equipamento de ressonância magnética para corpo inteiro com campo de 7 Tesla da América Latina, o Magnetom 7T MRI, tem sido utilizado por pesquisadores para complementar o diagnóstico feito por autópsia convencional de cadáveres recebidos pelo SVOC e, dessa forma, compreender melhor doenças, como a febre amarela, e sua evolução.

“As autópsias dos quase 60 pacientes mortos com suspeita de febre amarela que realizamos representa uma das maiores casuísticas [série de casos] da doença no mundo desde 1960, realizadas em uma única instituição. Naquela época não era possível contar com o benefício das técnicas moleculares e de imagem que dispomos hoje para estudá-la”, comparou Saldiva.

Na avaliação do pesquisador, o surto atual da febre amarela em São Paulo representa uma oportunidade trágica, mas única, para estudar a biologia da doença usando as melhores condições de pesquisa possíveis.

A associação do parque de equipamentos de imagens com o SVOC – que é o maior serviço de autópsias médicas do mundo, realizando cerca de 15 mil autópsias relativas a mortes naturais por ano – possibilita identificar características da doença que não tinham sido relatadas em surtos que aconteceram na década de 1940, comparou Saldiva.

A análise de imagens do cérebro das pessoas que morreram por causa da infecção pelo vírus da febre amarela geradas pelo Magnetom 7 Tesla, por exemplo, indica que os pacientes apresentam muitas lesões cerebrais e convulsões.

“Ainda não sabemos se o vírus mudou, se tornou-se mais neurotrópico [capaz de invadir o sistema nervoso], ou se simplesmente, com a possibilidade atual de manter pessoas infectadas vivas por métodos artificiais, com diálise e outras manobras de sustentação, está se modificando a história natural da doença. Talvez nos anos 1940 as pessoas infectadas não tinham tanta convulsão e lesões cerebrais porque morriam antes de o sistema nervoso central ser afetado”, disse Saldiva.

Também tem sido observado por meio da análise de materiais de autópsia que a febre amarela é uma doença sistêmica, que não afeta somente o fígado. “Temos encontrado o vírus em vários outros órgãos, inclusive no cérebro”, afirmou.

Autópsia minimamente invasiva

Os pesquisadores da FM-USP também pretendem avaliar a possibilidade de detectar mais rapidamente a febre amarela e outras doenças infecciosas por meio de autópsia minimamente invasiva.

A ideia é levar para lugares onde foi registrada uma morte com suspeita de ter sido causada pela febre amarela um equipamento portátil de ultrassom adquirido com recursos da FAPESP, do tamanho de um tablet e utilizado pelo exército dos Estados Unidos em campo de batalha, para obter imagens de órgãos do cadáver e coletar pequenas amostras de tecidos para confirmar o diagnóstico em laboratório antes mesmo da remoção do corpo.

“Como o transdutor [o dispositivo que gera a imagem] desses equipamentos é bastante resistente, é possível treinar equipes para realizar a autópsia de cadáveres em campo”, disse Saldiva.

“Se a pessoa que estiver realizando a autópsia em campo tiver alguma dúvida sobre a imagem que está registrando, ela pode enviá-la por celular para um especialista”, explicou.

A fim de validar esse método, os pesquisadores pretendem realizar autópsias de macacos encontrados mortos em áreas de circulação do vírus com esses equipamentos de ultrassom portáteis, coletar material para estudos sorológicos e moleculares para confirmar o diagnóstico em laboratório até dois dias depois e comparar os resultados com a autópsia convencional dos animais.

“Devido a série de mortes por macacos infectados pelo vírus da febre amarela em São Paulo, o serviço de autópsia desses animais está sobrecarregado”, disse Saldiva.

“Os técnicos da saúde poderiam ser enviados para os lugares onde têm sido encontrados macacos mortos, obter imagens por esse sistema de ultrassom portátil e extrair pequenas amostras de tecidos para confirmar o diagnóstico em laboratório, sem ter a necessidade de transportar o animal inteiro. Dessa forma, seria possível dar a celeridade necessária para caracterizar melhor as áreas de risco da doença”, avaliou.
 

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