Pesquisadores da USP em colaboração com colegas do Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais identificaram microrganismo que apresenta carapaça com formato similar ao do chapéu do mago Gandalf (imagens: Jordana C. Féres e Alfredo L. Porfírio Sousa)

Nova espécie de ameba homenageia personagem de O Senhor dos Anéis
09 de janeiro de 2017

Pesquisadores da USP em colaboração com colegas do Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais identificaram microrganismo que apresenta carapaça com formato similar ao do chapéu do mago Gandalf

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Pesquisadores da USP em colaboração com colegas do Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais identificaram microrganismo que apresenta carapaça com formato similar ao do chapéu do mago Gandalf

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Pesquisadores da USP em colaboração com colegas do Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais identificaram microrganismo que apresenta carapaça com formato similar ao do chapéu do mago Gandalf (imagens: Jordana C. Féres e Alfredo L. Porfírio Sousa)

 

Elton Alisson  |  Agência FAPESP – Dentre as 30 a 45 linhagens de amebas existentes no mundo, algumas delas, conhecidas como tecamebas, desenvolveram ao longo de sua evolução a habilidade de construir carapaças com diferentes formas para se abrigarem.

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), em colaboração com colegas do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), uma empresa de consultoria ambiental situada em Vila Velha, no Espírito Santo, além de uma pesquisadora de Minas Gerais, identificou durante um projeto realizado com apoio da FAPESP uma espécie de tecameba que apresenta uma carapaça com um formato similar ao do chapéu de um mago como o Gandalf, da série O Senhor dos Anéis.

Nomeada Arcella gandalfi justamente em homenagem ao personagem criado pelo escritor e filólogo J. R. R. Tolkien (1892 – 1973), a nova espécie de ameba foi descrita em um artigo publicado na revista Acta Protozoologica.

“É muito raro encontrar uma espécie nova de ameba porque são organismos muito pequenos, pouco estudados e há pouquíssimos taxonomistas desse grupo no Brasil”, disse Daniel J. G. Lahr, professor do Departamento de Zoologia do IB-USP e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.

O pesquisador começou a receber nos últimos anos uma série de relatos da existência dessa espécie de microrganismo de água doce em diferentes lugares no Brasil, como nos estados de Minas Gerais, Tocantins, Paraná, Amapá e Rio de Janeiro.

O número de espécimes da ameba coletadas nessas regiões, contudo, era muito baixo, o que impossibilitava analisá-las em laboratório para certificar se tratava-se realmente de uma nova espécie.

No ano passado, entretanto, a bióloga Jordana de Carvalho e Féres, que trabalha em uma empresa de consultoria ambiental no Espírito Santo e atua na identificação taxonômica e análise populacional de organismos zooplanctônicos (organismos aquáticos que não têm capacidade fotossintética e baixa locomoção), procurou Lahr relatando ter encontrado a ameba em duas amostras coletadas no Amapá e no Rio de Janeiro, sendo que a última reunia 180 espécimes.

A bióloga veio a São Paulo para receber um treinamento em técnicas microscópicas no laboratório de Lahr e realizar em parceria com o grupo de pesquisadores do IB-USP a descrição da nova espécie.

“Conseguimos isolar o organismo das amostras e fazer todas as medidas necessárias, além de imagens para certificar que é uma nova espécie”, disse Lahr.

Espécie emblemática

As análises dos pesquisadores, baseadas em ferramentas de caracterização biométrica e morfológica, mostraram que a ameba Arcella gandalfi apresenta uma forma de funil que, até então, não tinha sido relatada em nenhuma espécie pertencente ao gênero Arcella – um dos maiores da ordem tecameba.

O microrganismo apresenta uma cor que varia do amarelo claro ao marrom e tem diâmetro de 81 micrômetros (medida equivalente a um décimo de milímetro) e 71 micrômetros de altura.

Apesar de microscópico, a nova espécie de ameba é considerada um organismo grande em se tratando de um organismo unicelular, apontou Lahr.

“É uma única célula que tem a capacidade de construir essa carapaça com esse formato de funil”, ressaltou.

Uma vez que a Arcella gandalfi é facilmente identificada por suas características morfológicas singulares e sua localização geográfica estar restrita aparentemente à América do Sul, os pesquisadores têm levantado a hipótese de ser uma nova espécie emblemática – que é reconhecida como particular e própria de uma determinada região.

Segundo Lahr, não há registro da nova espécie de ameba em nenhum outro lugar no mundo.

“A identificação de uma nova espécie de microrganismo no Hemisfério Sul, como é o caso dessa ameba, é uma evidência muito forte de que sua distribuição geográfica seja restrita à região porque no Hemisfério Norte os ambientes foram mais profundamente estudados”, afirmou o pesquisador.

“Ainda mais em se tratando de uma espécie tão conspícua, com formato muito diferente de qualquer outra”, ponderou.

De acordo com ele, a maior parte das amebas do gênero Arcella tem menos da metade do tamanho da Arcella gandalfi e morfologia bastante variada, geralmente hemisférica ou em forma de disco.

Algumas delas têm a forma de um chapéu chinês. Outras apresentam a forma de uma coroa, com denticulações em suas bordas.

“O gênero Arcella tem cerca de 200 espécies e é um dos mais diversos dentro do grupo de tecamebas”, afirmou Lahr.

Funções da carapaça

Os pesquisadores ainda não sabem ao certo qual a real função da carapaça para as tecamebas.

A ideia clássica é a de que essas estruturas construídas com material silício ou orgânico secretado pela célula conferiria proteção a esses microrganismos encontrados de forma abundante em todos os tipos de áreas úmidas, como lagos rasos, plâncton de rios e riachos, lagos artificiais e entre plantas aquáticas.

Essa ideia, contudo, é bem pouco provável, estima Lahr. “As tecamebas sofrem muita predação e comumente encontramos carapaças ingeridas por ciliados [protozoário], por exemplo. A carapaça para esses microrganismos não teria a mesma função de defesa como a de um artrópode, por exemplo, cujo predador tem tamanho equivalente ao dele”, comparou.

Uma das hipóteses dos pesquisadores é que a carapaça poderia proteger as tecamebas não de seus predadores, mas contra a seca, uma vez que os ambientes úmidos onde vivem ficam molhados e secam várias vezes durante um dia, por exemplo.

“Estimamos que as tecamebas consigam manter durante um determinado período de seca um microambiente úmido dentro da carapaça mesmo com uma quantidade muito pequena de água armazenada”, afirmou Lahr.

Outra hipótese é que a carapaça também protegeria as amebas contra a radiação ultravioleta (UV).

“Como são organismos que estão em ambientes aquáticos e expostos ao sol, pensamos que a proteção contra os raios UV deve ser um fator muito importante”, avaliou.

“Um organismo multicelular tem uma série de barreiras de proteção contra a radiação UV, como camada de queratina e pigmentos na pele. Já um organismo unicelular, como uma ameba, tem, basicamente, o DNA exposto”, comparou.

O artigo “Morphological and morphometric description of a novel shelled amoeba Arcella gandalfi sp. nov. (Amoebozoa: Arcellinida) from brazilian continental waters” (doi: 10.4467/16890027AP.16.021.6008), de Lahr e outros, pode ser lido em Acta Protozoologica em www.ejournals.eu/Acta-Protozoologica/2016/Issue-4/art/8479/.
 

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