Estudo com participação de brasileiros publicado no The Astrophysical Journal Letters indica que, depois do colapso inicial da Galáxia, as estrelas continuaram se formando a partir do centro (imagem: Nasa)

Via Láctea formou estrelas de dentro para fora
02 de março de 2016

Estudo com participação de brasileiros publicado no The Astrophysical Journal Letters indica que, depois do colapso inicial da Galáxia, as estrelas continuaram se formando a partir do centro

Via Láctea formou estrelas de dentro para fora

Estudo com participação de brasileiros publicado no The Astrophysical Journal Letters indica que, depois do colapso inicial da Galáxia, as estrelas continuaram se formando a partir do centro

02 de março de 2016

Estudo com participação de brasileiros publicado no The Astrophysical Journal Letters indica que, depois do colapso inicial da Galáxia, as estrelas continuaram se formando a partir do centro (imagem: Nasa)

 

Agência FAPESP – O número impressiona. A Via Láctea tem de 100 bilhões a 400 bilhões de estrelas, sendo que muitas delas podem ter começado a brilhar há cerca de 13 bilhões de anos, antes mesmo da formação completa da Galáxia.

Essa é uma das conclusões suscitadas por um mapa cronográfico pioneiro das estrelas mais antigas da Via Láctea, que acaba de ser apresentado. De acordo com o mapa, a Galáxia se formou de dentro para fora, primeiro no núcleo, espraiando-se depois em direção à sua periferia no halo galáctico.

É o que explica o astrofísico Rafael Santucci, primeiro autor de um artigo sobre a cronografia galáctica publicado por um grupo internacional no The Astrophysical Journal Letters. O trabalho tem apoio da FAPESP. Santucci é doutorando no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo, sob orientação da professora Silvia Rossi.

Para entender o significado da pesquisa é preciso imaginar o formato da Via Láctea. Trata-se de uma galáxia com braços espirais se espraiam a partir do núcleo, formando um disco de 100 mil anos-luz de diâmetro. No núcleo galáctico, é grande a densidade estelar, ou seja, a quantidade de estrelas próximas umas das outras.

A concentração de estrelas que orbitam próximas ao núcleo é conhecida como bojo galáctico. Afastando-se do núcleo, a quantidade de estrelas cai até chegar nas bordas – na periferia da Galáxia –, onde a densidade estelar é rarefeita.

Essa descrição corresponde a apenas uma pequena parte da Galáxia, a parte visível à maioria dos observatórios astronômicos. Mas o disco da Via Láctea está envolto pelo halo galáctico, que possui forma praticamente esférica e é cerca de três vezes maior que o disco.

“O disco da Via Láctea contém enormes nuvens de gás, responsáveis por formar estrelas. Já o halo possui baixa densidade de estrelas e não contém gás. Exatamente por isso não é um ambiente de formação estelar e, portanto, as estrelas ali presentes são majoritariamente velhas”, disse Santucci.

Ele explica que o halo é um sistema complexo, com estrelas que podem ser oriundas de vários locais. “Existem pequenas concentrações de estrelas no halo, agrupadas às centenas de milhares ou até milhões em regiões esféricas de cerca de 100 anos-luz de diâmetro, os chamados aglomerados globulares.

São conhecidos cerca de 150 aglomerados globulares orbitando o centro da Via Láctea. Há também estrelas que foram parar no halo uma vez que sua velocidade de escape fez com que elas se desgarrassem do disco galáctico. Há ainda estrelas que, originalmente, pertenciam a outras galáxias, pequenas, que acabaram canibalizadas pela Via Láctea há bilhões de anos. São esses dois últimos conjuntos de estrelas os alvos de investigação do trabalho recém-publicado. Mais especificamente, a pesquisa envolveu um tipo particular de estrelas do halo, as chamadas “estrelas azuis do ramo horizontal”.

“São estrelas com até dez vezes o tamanho do Sol, que se encontram em um dos estágios finais de suas vidas. Já passaram da sua fase jovem, quando queimavam hidrogênio, e estão agora na fase avançada, fundindo hélio e carbono. Quando este suprimento findar, elas se tornarão anãs-brancas, que é o mesmo futuro do Sol”, disse Santucci.

O objetivo da pesquisa foi reunir um grande número dessas estrelas azuis de ramo horizontal para analisar suas cores em conjunto com suas distâncias e associar a variação de suas cores com suas idades.

O cálculo da idade de uma estrela é feito a partir da análise detalhada de sua composição química, mas são poucos os telescópios que conseguem observar os astros com precisão suficiente para tais estudos.

“Outro porém é que, às vezes, são necessárias várias horas de observação para poder analisar apenas uma estrela. Entretanto, mesmo que de maneira mais grosseira, é possível ter uma ideia da variação de idade dos objetos por meio de suas cores, conhecendo também sua fase evolutiva. As cores das estrelas sempre estão relacionadas com suas temperaturas, que por sua vez estão relacionadas principalmente com suas massas, sendo que essas regem seus tempos de vida,” disse Santucci.

Em outras palavras, quando as estrelas são jovens, ou seja, quando estão na fase em que queimam hidrogênio em hélio, quanto mais massiva a estrela, mais azul e brilhante ela é. Entretanto, esse comportamento é exatamente o oposto para as estrelas investigadas na pesquisa. Quando estão na fase onde queimam hélio em carbono, quanto menos massivas, mais azuis serão suas cores.

“Sabemos que a vida das estrelas é regida pela quantidade de gás que elas possuem ao nascer e, diferentemente do que se espera, quanto maior a quantidade de gás, menor será seu tempo de vida. Isso ocorre porque a produção de energia em estrelas é mais eficiente se suas massas forem maiores, acelerando suas evoluções”, disse Santucci.

A análise da assinatura química da luz das estrelas é feita por espectrografia. Quando a luz é produzida no núcleo da estrela, ela precisa cruzar a sua atmosfera. Quaisquer elementos químicos presentes na atmosfera deixaram sua presença indelevelmente marcada para sempre no espectro daquela luz. Por conta disso, quando os astrônomos registram a luz de uma estrela distante, uma das primeiras coisas que fazem é analisar seu espectro.

Gerações de estrelas

Quando o Universo começou a se expandir, havia somente três elementos químicos: hidrogênio, hélio e lítio em proporções diminutas. Os demais elementos químicos só são forjados no coração das estrelas que, quando morrem, semeiam o meio interestelar com elementos mais complexos da tabela periódica. Acredita-se que o Sol faça parte da terceira geração de estrelas, ou até mais recente.

“Ao analisar o espectro da luz das estrelas, vários astrofísicos estão à caça de astros muito antigos e é óbvio que irão procurar aqueles cuja assinatura química indique apenas e tão somente a presença de hidrogênio, hélio e lítio. Tais estrelas, necessariamente, fazem parte da primeira geração. Elas podem ser tão ou mais antigas do que a Via Láctea”, disse outro autor da pesquisa, o astrofísico brasileiro Vinícius Placco, professor na Universidade Notre Dame, nos Estados Unidos – que estudou o halo da Via Láctea com apoio da FAPESP.

Placco, Santucci e colegas usaram como base em seu estudo um trabalho publicado em 1991 no qual, a partir do estudo de cerca de 150 estrelas azuis do ramo horizontal, os autores procuraram aferir suas distância e idade.

“A qualidade dos dados à disposição à época ainda era rala. Vinte e quatro anos depois, o Rafael [Santucci], em seu estudo, fez uma nova seleção de estrelas”, disse Placco.

Para tanto, Santucci mergulhou na gigantesca base de dados do projeto Sloan Digital Sky Survey (SDSS), nos Estados Unidos, cuja meta é estudar centenas de milhares de galáxias distantes. “Mas como as estrelas da Via Láctea estão no meio do caminho, um subproduto importante do SDSS foi a observação de centenas de milhares de estrelas no halo galáctico”, disse Santucci.

Ele vasculhou nos arquivos do SDSS e conseguiu pinçar 4,7 mil estrelas azuis de ramo horizontal. Foi a partir do estudo dessas estrelas que pode montar o primeiro mapa das estrelas mais antigas da Via Láctea. “A quantidade e a qualidade dos dados hoje à disposição é muito maior e melhor do que aquela do trabalho de 1991”, disse Placco.

Segundo Santucci, com o mapa dos dois hemisférios (acima e abaixo do disco galáctico) da Via Láctea, foi possível descobrir que as estrelas mais antigas se formaram antes ou concomitantemente ao colapso gravitacional da imensa nuvem de gás que formou as estrelas do centro da Via Láctea.

“Nosso mapa admite que as estrelas mais velhas têm cerca de 13 bilhões de anos e mostra que esses objetos são encontrados preferencialmente mais próximos do centro da Via Láctea. Conforme a distância ao centro aumenta, observamos que a idade média das estrelas diminui, sendo que os objetos mais jovens são encontrados a distâncias maiores, já na periferia da Galáxia, com uma idade de cerca de 10 bilhões de anos. O que resulta em uma variação gradual de 3 bilhões de anos de idade de dentro para fora”, disse.

Portanto, depois do colapso inicial da Via Láctea as estrelas continuaram se formando, em ordem cronológica, do centro para fora. “Nosso estudo veio confirmar teorias da evolução galáctica que postulavam que as estrelas mais antigas teriam se formado no centro e as mais jovens, progressivamente, em direção da periferia do halo. Ninguém havia mostrado isso antes”, afirmou Santucci.

Como esse resultado foi uma surpresa, os pesquisadores estão escrevendo um novo artigo para submeter à outra revista. “Trata-se de um mapa muito maior e mais preciso, feito a partir de uma amostra com mais de 100 mil estrelas”, antecipou Santucci.

O artigo Chronography of the Milky Way's Halo System with Field Blue Horizontal-Branch Stars (doi:10.1088/2041-8205/813/1/L16), de Rafael Santucci, Vinicius Placco e outros, pode ser lido em http://iopscience.iop.org/article/10.1088/2041-8205/813/1/L16.

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