Realizado por pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz e do King’s College London, trabalho busca diminuir a toxicidade dos tratamentos contra a doença, cujo número de casos cresce em São Paulo (foto: A.G.Tempone)

Pesquisa colaborativa amplia terapêutica para leishmaniose visceral
31 de março de 2014

Realizado no Instituto Adolfo Lutz e no King’s College London, trabalho busca diminuir a toxicidade dos tratamentos

Pesquisa colaborativa amplia terapêutica para leishmaniose visceral

Realizado no Instituto Adolfo Lutz e no King’s College London, trabalho busca diminuir a toxicidade dos tratamentos

31 de março de 2014

Realizado por pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz e do King’s College London, trabalho busca diminuir a toxicidade dos tratamentos contra a doença, cujo número de casos cresce em São Paulo (foto: A.G.Tempone)

 

Por Samuel Antenor

Agência FAPESP – Com o objetivo de diminuir a toxicidade dos tratamentos contra a leishmaniose visceral, um estudo realizado em conjunto por pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e do King’s College London, no Reino Unido, tem possibilitado o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas contra a doença, utilizando compostos de fármacos já disponíveis no mercado.

O projeto “From Trypanosomes to Leishmania: novel drug candidates for the treatment of neglected parasitic diseases” foi conduzido entre 2011 e 2013 por André Gustavo Tempone, coordenador do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Centro de Parasitologia do Adolfo Lutz, em São Paulo, e por Gerd Wagner, do King’s College, em Londres, no âmbito de um acordo entre as duas instituições.

Causada por um protozoário do gênero Leishmania e transmitida pelo mosquito-palha (Phlebotomus pappatasi), a leishmaniose visceral atinge humanos e animais, como cachorros e gatos, e pode causar anomalias no fígado, no baço e na medula óssea. Sem tratamento, pode levar à morte em meses. A doença ocorre em todo o Brasil e em outros países de clima quente, como Índia, Nepal, Sudão e Bangladesh, mas também afeta alguns países com clima temperado.

Os medicamentos usados no tratamento – o antimoniato de N-metil-glucamina (Glucantime) e a anfotericina B – são altamente tóxicos e com graves efeitos adversos. Além disso, há muitos relatos de resistência aos medicamentos, principalmente na Índia, onde se registra o maior índice de ocorrência da doença.

“Em termos de tratamento para a leishmaniose, buscamos o que, por exemplo, já foi feito contra a malária, como forma de baixar a toxicidade dos medicamentos no organismo. Para que a combinação terapêutica diminua a resistência do parasita, é preciso encontrar combinações sinérgicas, reduzindo a dosagem das drogas usadas”, disse Tempone à Agência FAPESP.

O grupo de pesquisadores brasileiros e britânicos estudou substâncias de medicamentos já usados no tratamento dessa e de outras enfermidades, como forma de diminuir o custo e o tempo da pesquisa.

Dentro da estratégia de reposicionamento de fármacos, foram testadas cerca de 200 substâncias a partir de 2.750 drogas já aprovadas pelo Food and Drug Administration (FDA), o órgão norte-americano que regulamenta o uso de medicamentos nos Estados Unidos.

O King´s College London disponibilizou sua quimioteca, com quase 400 compostos químicos já sintetizados, para os testes de atividade antiparasitária. “O trabalho conjunto foi fundamental”, ressaltou Tempone.

De acordo com Wagner, a colaboração em pesquisa com o Instituto Adolfo Lutz tem sido bem-sucedida e permitiu à equipe do King’s College realizar testes e estudos utilizando a expertise do laboratório paulista.

“A colaboração com a equipe de Tempone nos permitiu testar moléculas em diversos ensaios antiparasitários, inclusive com a ida de um doutorando do King’s College a São Paulo para testar diferentes compostos. O trabalho levou à identificação de várias moléculas com atividade contra a Leishmania, com potencial para desenvolvimento”, disse Wagner.

Ao longo dos dois anos do projeto, a equipe britânica trabalhou com a química orgânica dos medicamentos e a do Adolfo Lutz, com a parte relacionada à parasitologia da doença. O ponto central da pesquisa foi investigar a ação das drogas reposicionadas no combate à leishmaniose. O reposicionamento de medicamentos já em uso no tratamento de outras doenças dispensa testes de toxicidade, segundo Wagner.

Cerca de 1% das substâncias apresentaram potencial de ação contra a doença no modelo animal (hamster), entre elas os quelantes de ferro, utilizados no tratamento de condições como excesso de ferro no sangue (hemossiderose secundária).

Um dos diferenciais da pesquisa, de acordo com Tempone, foi o uso de nanotecnologia com lipossomas – vesículas esféricas artificiais utilizadas como transportadores de medicamentos e substâncias biológicas –, que aumentaram significativamente o potencial de ação das substâncias no modelo animal, pois permitiram direcionar o fármaco para a célula-alvo, a célula hospedeira do parasita.

Nanolipossomas foram usados para o encapsulamento, o direcionamento e a liberação controlada dos potenciais medicamentos nas células infectadas. “A ideia é produzir doses para uso intravenoso, a fim de atingir a célula-alvo, o macrófago”, disse Tempone. Com a técnica, os medicamentos passaram a atuar diretamente nos locais infectados, elevando as chances do tratamento.

Em 2013, o artigo Conjugation to 4-aminoquinoline improves the anti-trypanosomal activity of Deferiprone-type iron chelators, relatando as pesquisas sobre reposicionamento terapêutico, foi publicado pelos pesquisadores das duas instituições no periódico Bioorganic and Medicinal Chemistry.

O grupo testa agora os medicamentos no modelo animal para verificar se o composto obtido in vitro pode ser usado em humanos. O objetivo final é viabilizar a produção de novos fármacos no Brasil, compartilhando os resultados das pesquisas com laboratórios públicos.

Doença permanece negligenciada

No Brasil, são registrados entre 3 mil e 4 mil casos por ano de leishmaniose visceral provocada pela Leishmania infantum, também chamada de Leishmania chagasi. A incidência de óbito pela doença, classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como negligenciada, chega a 10%.

O país também registra a incidência da Leishmania braziliensis e da Leishmania amazonensis, esta especificamente na região Norte. Ambas são responsáveis pela ocorrência da leishmaniose tegumentar, que provoca infecções cutâneas ou ainda na região das mucosas, causando desfigurações.

O cão é o reservatório mais usado pelo protozoário – transmitido ao ser humano quando o mosquito-palha pica um animal infectado e, em seguida, uma pessoa.

De acordo com Tempone, o número de casos de leishmaniose visceral em humanos é crescente no interior de São Paulo por causa do aumento no número de casos da leishmaniose visceral canina. “Esses casos ocorrem, muitas vezes, onde não havia até então registro de leishmaniose visceral humana”, disse, acrescentando que a incidência da doença em cães é também bastante elevada em Campo Grande (MS).

O Ministério da Saúde não autoriza o tratamento de animais portadores da doença e determina a eutanásia dos cães infectados. Segundo Tempone, os medicamentos usados para combater a leishmaniose visceral humana não são adequados para os animais.

Em todo o mundo, a leishmaniose tegumentar e a leishmaniose visceral, juntas, atingem cerca de 12 milhões de pessoas, com casos registrados em 98 países, incluindo na Europa e na América do Norte.

Parcerias internacionais

Os próximos passos da parceria com o King´s College London incluem a publicação dos dados de estudos in vitro com o parasita da doença de Chagas (Trypanosoma cruzi) e o planejamento da síntese de novos derivados.

Atualmente, o grupo de Tempone também conduz uma pesquisa com apoio do laboratório britânico GlaxoSmithKline, com testes pré-clínicos em animais com a droga buparvaquona lipossomal, utilizada na clínica veterinária para o tratamento de parasitoses. “Devemos continuar com os testes em animais por mais três anos, até avaliarmos se um possível teste clínico poderia ser realizado”, disse o pesquisador.

A descoberta da possibilidade de usar a buparvaquona lipossomal no tratamento da leishmaniose ocorreu durante o projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP , na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.

Em outra pesquisa com apoio FAPESP, feita em conjunto pelo Adolfo Lutz e pelo Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus de Diadema, foi identificado um novo protótipo químico proveniente de uma planta da Mata Atlântica com grande capacidade de atuação contra a leishmaniose.

O composto está sendo sintetizado em parceria com a Ohio State University (EUA), onde Tempone coordena projetos na área de novos fármacos para leishmanioses, incluindo estudos sobre o mecanismo de ação e síntese de derivados da nova substância anti-Leishmania isolada de uma planta brasileira.
 

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