Pesquisa divulgada na capa da nova edição da Nature e apoiada pela FAPESP calculou o balanço de carbono na Bacia Amazônica nos anos de 2010 e 2011 (divulgação)

Falta de chuva afeta a capacidade da Amazônia de absorver carbono
06 de fevereiro de 2014

Pesquisa divulgada na capa da nova edição da Nature e apoiada pela FAPESP calculou o balanço de carbono na Bacia Amazônica nos anos de 2010 e 2011

Falta de chuva afeta a capacidade da Amazônia de absorver carbono

Pesquisa divulgada na capa da nova edição da Nature e apoiada pela FAPESP calculou o balanço de carbono na Bacia Amazônica nos anos de 2010 e 2011

06 de fevereiro de 2014

Pesquisa divulgada na capa da nova edição da Nature e apoiada pela FAPESP calculou o balanço de carbono na Bacia Amazônica nos anos de 2010 e 2011 (divulgação)

 

Por Karina Toledo

Agência FAPESP – A seca que atingiu a Bacia Amazônica em 2010 foi tão severa que comprometeu até mesmo a capacidade da floresta de absorver o excesso de dióxido de carbono (CO2), considerado o principal gás de efeito estufa. No ano seguinte, com chuva acima da média, a vegetação conseguiu não apenas absorver toda a emissão oriunda de processos naturais como também a resultante de atividades humanas, entre elas as queimadas.

Os dados são de uma pesquisa financiada pelo Natural Environment Research Council (Nerc), do Reino Unido, e pela FAPESP (no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais) e foram divulgados na capa da edição desta quinta-feira (06/02) da revista Nature.

“São dois cenários extremos que mostram como a falta de chuva modifica a dinâmica da floresta e o balanço de carbono na região. A precipitação pluviométrica, portanto, é um fator que os cientistas que trabalham com previsão climática terão de levar em consideração em seus modelos. Caso contrário, os resultados ficarão muito distantes da realidade”, disse Luciana Vanni Gatti, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen).

Gatti é autora principal do estudo ao lado de Emanuel Gloor, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e de John B. Miller, do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), uma das principais agências científicas norte-americanas focada em questões ambientais. O estudo contou com a participação de pesquisadores do Ipen, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto de Astronomia e Geofisica da Universidade de Sao Paulo. 

Para chegar a tal conclusão, o grupo realizou, ao longo de 2010 e 2011, 160 medições aéreas em quatro locais da Bacia Amazônica: Santarém, Alta Floresta, Rio Branco e Tabatinga. Em cada perfil de avião foram coletadas 17 amostras de ar atmosférico em alturas que variavam até 4,4 quilômetros acima do nível do mar.

“Fazemos um plano de voo indicando para o piloto em quais alturas devem ser feitas as coletas. Ele começa do ponto mais alto e desce em um trajetória helicoidal de aproximadamente 5 quilômetros de diâmetro”, explicou Gatti.

De acordo com a pesquisadora, a representatividade do dado obtido cresce na medida em que aumenta a altura das medições, pois as amostras trazem informações de toda a região que aquela massa de ar passou desde a entrada no continente.

“Medições feitas no nível do solo, por meio de câmeras ou torres, representam apenas a realidade daquele local. Estudos anteriores mostraram que não dá simplesmente para pegar dados de diferentes locais e tirar uma média, pois a Amazônia tem uma diversidade de habitats gigantesca em seus 6 mil quilômetros quadrados de extensão”, disse Gatti.

“Por outro lado, perfis de avião mostram a resultante de todos os processos que ocorreram desde a costa até o local de coleta e não permitem entendermos todas as fontes e seus sumidouros e suas dinâmicas. São trabalhos complementares. O primeiro chama-se estudo top-down (de cima para baixo) e o outro, botton-up (de baixo para cima). Com um entendemos o macro, a Região Amazônica como um todo, e com o outro entendemos o micro, cada compartimento da floresta e suas dinâmicas”, acrescentou.

Com auxílio de um equipamento portátil, a bordo de aviões comuns (táxis aéreos), os pesquisadores coletaram o ar e analisaram, no Laboratório de Química Atmosférica do Ipen, as concentrações de cinco diferentes gases: CO2, metano (CH4), óxido nitroso (N2O), monóxido de carbono (CO) e hexafluoreto de enxofre (SF6).

“O CH4 e o N2O também são importantes gases de efeito estufa, que estudamos no momento. Já a concentração de CO permite estimar o quanto daquela emissão resulta da queima de biomassa. O SF6 permite calcular qual era a concentração de carbono quando aquela massa de ar entrou no continente”, explicou Gatti.

Cruzando dados

Para entender o balanço de carbono no período, os pesquisadores cruzaram os resultados obtidos nas medições aéreas com informações sobre a precipitação pluviométrica dos anos de 2010 e 2011 e dados de monitoramento de queimadas do satélite Aqua Tarde.

“Em 2010, a estação chuvosa foi bem menos chuvosa do que a média dos 30 anos anteriores. O estresse hídrico foi tão grande para a vegetação que aumentou a mortalidade e a taxa de decomposição e modificou o balanço entre fotossíntese e respiração. Tudo isso comprometeu a capacidade da floresta de absorver carbono”, afirmou Gatti.

Para piorar, acrescentou a pesquisadora, o número de focos de queimada detectados em 2010 foi bem maior do que nos anos anteriores. Segundo os cálculos do grupo, a queima de biomassa lançou na atmosfera naquele ano cerca de 510 bilhões de quilos de carbono.

A floresta praticamente só absorveu a quantidade de carbono equivalente ao que naturalmente foi emitido (além de outros processos, desconsiderando a queima de biomassa) – algo em torno de 30 bilhões de quilos de carbono –, sendo que o balanço final foi de 480 bilhões de quilos de carbono emitidos para a atmosfera no ano de 2010.

Em 2011, por outro lado, as queimadas lançaram na atmosfera cerca de 300 bilhões de quilos de carbono e o balanço final da bacia (o que restou na atmosfera das emissões) foi próximo de 60 bilhões de quilos de carbono.

“Foi um ano em que a floresta compensou praticamente tudo que o fogo emitiu. A maioria dos modelos de previsão climática está baseada na temperatura. E vimos que tanto 2010 como 2011 foram anos com temperatura acima da média. A diferença principal foi a chuva”, ressaltou Gatti.

Para a pesquisadora, os resultados alertam para os possíveis impactos nefastos que as alterações no ciclo de chuva causadas pelas queimadas, pelo desmatamento e pela construção de represas poderão causar no ambiente.

Incógnita amazônica

Há pelo menos duas décadas, cientistas de todo o mundo têm se esforçado para entender o balanço de carbono da Bacia Amazônica e descobrir se a floresta é, de fato, o sumidouro de carbono que se imagina. “A Amazônia concentra 50% da floresta tropical do planeta e isso faz muita diferença no balanço global de carbono. É uma incógnita importante nos modelos climáticos”, contou Gatti.

Embora medições aéreas ofereçam dados com maior representatividade regional, avaliou a pesquisadora, é preciso também que o estudo tenha representatividade temporal, ou seja, tenha longa duração.

“Existe uma variabilidade muito grande de ano para ano. Se nos baseássemos apenas nas medições feitas em 2010, que foi um ano completamente anômalo, não teríamos uma ideia precisa do balanço de carbono da Amazônia. Por isso o projeto continua e nossa meta é completar dez anos de medições para ter um dado que realmente represente o balanço de carbono da Bacia Amazônica”, afirmou Gatti.

O artigo Atmospheric science: Drought and fire change sink to source (doi:10.1038/nature12957), de Gatti L.V., M. Gloor, J. B. Miller, C. E. Doughty, Y. Malhi, L. G. Domingues,  L. S. Basso,  A. Martinewski, C. S. C. Correia, V. F. Borges, S. Freitas, R. Braz, L. O. Anderson, H. Rocha, J. Grace, O. L. Phillips e J. Lloyd, pode ser lido por assinantes da Nature em www.nature.com/nature/journal/v506/n7486/full/nature12957.html.

 



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